domingo, 7 de junho de 2015

Diário literário - O guardião de livros

30/2015 - A autora do romance "O guardião de livros", Cristina Norton, é argentina, naturalizada em Portugal. A base para compor o livro, fora outras fontes de pesquisa, foi o presente recebido por Laurentino Gomes, as Cartas de Luís Joaquim dos Santos Marrocos. Com esse material, a autora escreveu não apenas sobre a vida de Luís, mas também sobre o cotidiano do Rio de Janeiro do início do século XIX. 
No primeiro capítulo "A escrava" é possível ao leitor visualizar a escravidão a partir da captura na África. Os próximos capítulos tratam da invasão francesa, de Napoleão Bonaparte, a Portugal. Então entramos em contato com a família de Francisco José dos Santos Marrocos, bibliotecário na Biblioteca Real da Ajuda em Lisboa e pai de Luís. 
Luís Joaquim era desde 1802 ajudante da Real Biblioteca e durante a invasão francesa, serviu na Junta direção Geral dos Provimentos para o exército, e pouco depois, foi nomeado capitão de uma das companhias das Legiões Nacionais. Quando a Família Real decidiu "fugir" para colônia, Luís trabalhava na Biblioteca e ajudou seu pai no empacotamento de 60 mil livros que seriam embarcados. Porém, não foi isso que aconteceu, os livros ficaram no porto e não foram objeto de despojo pelos franceses. 
Até a terceira e última invasão dos franceses, a autora nos remete às cenas pitorescas de Portugal, aos acontecimentos após o terremoto de 1755 em Lisboa e ao cotidiano da família dos Marrocos. Em março de 1811 acontece o tema base do livro, a convocação de Luís para levar a segunda remessa de livros da Real Biblioteca para a colônia portuguesa. A primeira remessa foi enviada antes da terceira invasão francesa, pois o Príncipe Regente acreditava que era melhor mandar em duas viagens, para no caso de naufrágios ou ataques piratas. Também deveria ser acompanhada por alguém da biblioteca, que ficaria trabalhando na colônia até que a corte decidisse que havia condições para poderem voltar a Portugal. 
A partir daí vamos ter noção da cidade do Rio de Janeiro do início do século XIX e suas transformações pela análise do bibliotecário. O livro tem uma característica interessante na sua narrativa, ora é narrado por Luís, ora por suas cartas remetidas ao seu pai em Portugal, ora narrados por outros personagens. Nelas lemos a descrição de problemas de higiene da cidade, epidemias, violência urbana, escravidão, conflitos entre os brasileiros e portugueses, as intrigas da corte, rebeliões, acontecimentos ocorridos nos países vizinhos, questões políticas e etc. 
Nas primeiras cartas, Luís escreve seu desprezo pela terra, seu povo e seus costumes. Sua opinião muda consideravelmente quando apaixona-se pela carioca Ana Maria de Santiago Sousa, de 22 anos, filha de um comerciante português com uma brasileira. Esse fato vai esfriar a relação e a troca de cartas entre Luís e sua família. Se no início, Luís desejava ardentemente voltar à sua Pátria, após o seu casamento escreve elogios sobre a terra e tentar convencer a sua família a se mudar para o Brasil. Ele apoiou a Independência em 1822 e continuou crescendo profissionalmente, sendo em 1838, ano da sua morte, o oficial-maior da Secretaria de Estado dos Negócios do Império. 
A autora no final, nos agradecimentos, afirma ter inventado situações e personagens, e que guardaria segredo sobre tais. Ainda assim, acho uma leitura interessante para os apaixonados por História, mesmo sendo pelo viés desse personagem melancólico, hipocondríaco, sarcástico que muito contribuiu por meio de sua correspondência, que hoje encontra-se na Biblioteca Real da Ajuda em Portugal.