quarta-feira, 30 de março de 2016

Zelota - A vida e a época de Jesus de Nazaré

Reza Aslan, foi muçulmano até os seus 15 anos, pois nascer no Irã era carregar a tradição religiosa como a própria pele. Esse fato esfriou drasticamente após a revolução no seu país, o que obrigou sua família a fugir para América. Vale ressaltar que na década de 1980, Jesus era a América. Aceitar seu sacrifício, seu enredo, por mais bizarro que pudesse ser, era o mais perto que alguém poderia fazer para se sentir americano. 

Após sua conversão (aos 15 anos), Reza começou a compartilhar as boas-novas de Jesus com todos. Mas, o inesperado aconteceu. Quanto mais sondava a Bíblia para se armar contra as dúvidas dos incrédulos, mais profundo ficava o abismo por ele percebido entre o Jesus dos evangelhos e o Jesus da história. Na faculdade, no estudo formal da história das religiões, o desconforto se tornou pessoal e as dúvidas, próprias. Assim começou sua Odisseia à fé em Jesus que havia sido descartada como falsa. 

Aslan deu continuidade ao seu trabalho acadêmico não como um crente incondicional, mas como um estudioso inquisitivo. Nessa altura do campeonato, já havia repensado a fé e a cultura dos seus antepassados e reconectado com mais familiaridade. Duas décadas de pesquisas sobre as origens do Cristianismo o tornaram um discípulo de Jesus de Nazaré (o histórico), que jamais um dia foi de Jesus Cristo (Jesus dos evangelhos). Como assim? Como isso aconteceu?

Aqui entra o meu conselho: não leia se você é um crente que tem como base, que cada palavra da Bíblia é literal e infalível. Se você não consegue conviver com o fato de que Nela há evidentes erros e contradições, tal como seria de esperar de um documento escrito por centenas de mãos diferentes através de milhares de anos. Não veja como heresia da minha parte, sou cristã e tenho na Bíblia um manual e modelo de vida. Por esse parágrafo, já deixo claro que a leitura pode ser indigesta. 

Mas, para o autor, que não esteve mais acorrentado à suposição de inefabilidade bíblica, foi o despertar da fé. Quanto mais ele aprendia sobre Jesus histórico, o mundo turbulento em que Ele viveu e a brutalidade da ocupação romana que Ele desafiou, mais se sentiu atraído. Jesus não era mais o ser sobrenatural apresentado para ele na igreja. Era alguém, como ele afirma no final (233), que vale a pena acreditar

É apresentado em sua obra fatos que vão desde a formação de identidade judaica (valores e ritos), invasões estrangeiras em Jerusalém, revoltas e rebeldes messiânicos até a canonização do Novo Testamento sob o governo romano (o que fala por si só, opinião pessoal). Com textos que não fazem parte do Novo Testamento, vamos analisar divergências de opiniões sobre Jesus, não que isso isente o Novo Testamento de divergências de fatos. 

Logo, temos apenas dois fatos históricos efetivos sobre Jesus de Nazaré: primeiro, foi um judeu que liderou um movimento popular judaico na Palestina no início do século I d.C; segundo, é que Roma o crucificou por isso (sedição).  Combinando esses dois fatos com relatos históricos da época em que Jesus viveu e relatos romanos é possível ter precisão histórica do Jesus de Nazaré. Também é possível conhecer o florescimento do Cristianismo e o processo de transformação do Jesus nacionalista judeu revolucionário em um líder espiritual pacífico, sem interesse em qualquer assunto terreno. 

Eis o intuito do autor: expôr as reivindicações dos evangelhos ao calor da análise histórica, limpando seus floreios literários e teológicos. Colocar Jesus firme dentro do contexto social, religiosa e político da época em que viveu. Assim, sua biografia se escreve por si só. Mas, na leitura, talvez não seja o Jesus esperado, nem o reconhecido hoje. Apenas o único que podemos acessar por meios históricos. Como Aslan escreve "todo o resto é uma questão de fé" (24). Indico! Resenha da minha segunda leitura. 

"A priori, é um milagre que saibamos algo, sobre o homem chamado Jesus de Nazaré. O pregador itinerante, vagando de cidade em cidade, clamando sobre o fim do mundo e sendo seguido por um bando de maltrapilhos, era uma visão comum no tempo de Jesus, uma espécie de caricatura entre a elite romana" (16)

"Os evangelhos não são relatos de testemunhas oculares das palavras e atos de Jesus. Eles são testemunhos de fé compostos por comunidades de fé e escritos muitos anos depois dos acontecimentos que o descrevem. Simplificando, os evangelhos nos dizem sobre Jesus, o Cristo, e não sobre Jesus, o homem". 

quinta-feira, 24 de março de 2016

A era do ressentimento







"Nietzsche costumava dizer que nós sonhamos com um sol que se preocupe com o que a gente sente. E ele dizia que no final das contas, quando a gente descobre que o sol não está nem aí pra nós, que as estrelas não brilham pra nós, que o mar não existe pra que a gente nade nele, a gente entra num desespero que ele chamava de ressentimento. O que é o ressentimento? É você achar que todos deviam te amar mais do que amam, você achar que todo mundo devia reconhecer em você grandes valores que você não tem. Do século XIX pra cá, o ressentimento piorou muito. Ele está em toda parte. Você não pode falar nada que todo mundo se ofende, se você fizer uma crítica, todo mundo toma como pessoal. Provavelmente, daqui mil anos, não vão lembrar da nossa época como a época do iPad. Vão lembrar da nossa época como a era do ressentimento. Somos uma civilização de mimados que não é capaz de escutar nenhuma crítica sem achar que é uma questão de ofensa pessoal".

Bom, lá fui eu novamente, depois do impacto da leitura do "Guia...", ler Luiz Felipe Pondé. Para não tirar conclusões apenas com uma leitura. Bom, não tiro a razão dele nessa obra A era do ressentimento. Estamos vivendo na era da mediocridade contemporânea. Fazemos parte de uma geração de narcisistas, mimados e egocêntricos. Seus ensaios procuram demonstrar o quão é importante desprezar o mundo (exemplo: não ser escravo do facebook) e não se achar o centro do mundo. Só que novamente é estranho o posicionamento dele em relação às mulheres. Seu contato com grupos radicais de feministas podem explicar, mas não justificar tanta acidez e maldade literária. Para ele, somos praticamente culpadas por tudo. Não vou entrar no mérito de dissecar seu pensamento, ele já é considerado polêmico. Tenho ambivalências em relação à sua obra, mas não acho que foi perca de tempo. Há muito para absorver dos seus pensamentos. 

Como conversar com um fascista



Indicação do professor Leandro Karnal em sua page do Facebook. Na apresentação, Rubens R.R. Casara explica o que foi fascismo ontem e que o fascista atual é aquele que não quer diálogo e incita ao ódio. Prefácio escrito por Jean Wyllys. 

Bom, em linhas gerais, para exterminar a democracia como desejo é preciso que o povo odeie e é isso o que o autoritarismo é e faz. Ele é o cultivo do ódio, de maneiras e intensidades diferentes em tempos diferentes. Às vezes um ódio mais fraco, ás vezes um ódio mais intenso servem à aniquilação do desejo de democracia. O fascismo é sinônimo do autoritarismo.

O fascismo sobrevive na animosidade. Ora, quem é atacado nos posicionamentos discursivos e práticos do fascismo não deve contentar-se com a posição de vítima. Essa pode ser simbolicamente útil para construir direitos, mas também para destruir lutas. Achei esse pensamento da autora, muito interessante. O fascismo tem um ódio especial direcionado às minorias. 

Assim como, em sendo questionada, a palavra "Deus" gera o estigma do herege ou do ateu, a palavra "capitalista", quando questionada, gera o estigma do " comunista", ele mesmo tratado como um tipo de ateu em sua descrença crítica do sistema. Achei interessante escrever sobre isso, pois nesse período de crise política, temos visto pelas ruas pessoas sendo agredidas devido à cor de suas vestes.

A neurose é uma categoria psicanalítica... O neurótico quer provar suas "teorias", que ele pode criar nas mais variadas circunstâncias. E, para prová-las, basta acionar o mecanismo de distorção. A distorção requer interpretação. Em geral, aquilo que se quer provar - a Teoria do neurótico - não tem realidade alguma. Ele quer provar algo sobre si mesmo e o outro lhe serve como caminho da prova. A inversão, por sua vez, não é uma mera projeção, como pode parecer. Ela é uma tática de poder que vai além da neurose e tem com ela a diferença de ser uma desonestidade consciente. Alguém que na esfera privada é neurótico, na esfera pública pode ser um canalha. A posição do canalha é sempre burra, e fácil de desvendar. Mas vivemos no império da canalhice onde a burrice, tanto como categoria cognitiva quanto moral, venceu. Desvendá-la não tem mais muito valor. Ela se transformou no todo do poder.

Meios de comunicação em geral, onde ideologias e indivíduos podem se expressar sem limites de responsabilidade ética e moral, estabelecem compreensões gerais sobre fatos que passam a circular como verdade apenas porque são repetidas. Leia-se Facebook, twitter, e acredite: apenas capas de revistas.

Na verdade, quem pensa que faz um discurso sempre é feito por ele. Sobre xingamentos, o ato de xingar, mostra a impotência para uma crítica concreta e uma estratégia de destruição. A agressividade verbal é uma forma conhecida de violência simbólica. Temos ouvido e visto jornalistas com amplo espaço na televisão falar de modo agressivo e irresponsável em gestos de claro fomento ao ódio. Reprodução do texto: Como escrever para idiotas, que já reproduzi aqui no blog. Muito bom. 

A autora escreve sobre vários temas, rescrevi (trechos do livro) apenas um histórico de leitura que mais me chamou a atenção. Muito bom. Indico. 

quarta-feira, 9 de março de 2016

Guia politicamente incorreto da Filosofia

O título deveria ser "Guia politicamente incorreto do politicamente correto" ao invés de "Guia politicamente incorreto da Filosofia: um ensaio de ironia". A ironia fica, Pondé é bom nisso. Você vai se pegar dando boas risadas do seu humor ácido. Mas, ainda que sempre deixe claro que as piadas contras as minorias são erradas (sempre em parênteses) o livro é uma crítica subjetiva sobre não poder criticar abertamente as minorias como antes. 
A grosso modo, o politicamente correto é "uma suposta política que consiste em tornar a linguagem neutra em termos de discriminação e evitar que possa ser ofensiva para certas pessoas ou grupos sociais, como a linguagem e o imaginário racista ou sexista" (Wikipédia, eu sei, fonte podre de referência). O autor acusa uma tendência de mau caráter dos ditos politicamente corretos. Denuncia o uso político da palavra, que com suas distorções, tem gerado uma massa popular (perigosa) que se ilude e usa mau o termo democracia. 
Ora, desde os gregos, poucos podem governar. Maquiavel também citou a virtude. Mas, fica clichê o autor não se atentar às mudanças históricas de lá pra cá. Parece que as conquistas só geraram poder aquisitivo da massa, aeroportos lotados, pobre por todo lado, um mundo como um grande churrasco na laje. 
Claro, sobrou para as feministas. Confesso que o autor teve seus acertos. A mulher não pode negar suas características biológicas, mas ele não perceber que ela não quer ser inferiorizada por isso, foi erro crasso também. Não sei de onde ele tirou a romantização da mãe solteira, talvez dos grupos feministas radicais, que aliás nem filhos almejam. Mas, boas risadas quando ele aborda sobre as "azedas" e se remete ao neolítico. 
Pautado em grande parte na Psicologia Evolutiva (parece que está em moda), Pondé vai justificando instintos, comportamentos e na boa!? preconceitos. Ele, como muitos, está irritado com o tal do politicamente correto. Mas, basta uma pesquisa rápida no google para perceber a tendência dos contrários. Não que eu não acredite no uso tendencioso e político dos grupos em defender grupos como gays, negros e mulheres (que o autor diz que nem minoria são, puts!).
Bom, é na mesma linha dos "Guias politicamente incorreto", com a diferença que o autor deixa claro que se trata da sua opinião. Diferente de outro autor que usa de charlatanismo, como bem ponderou Leandro Karnal. Indico a leitura para que você possa analisar onde esconde o seu preconceito.
Somente. 

Quem me roubou de mim?


"Há pessoas que nos roubam. Há pessoas que nos devolvem."

O livro nasceu do desassossego provocado por lágrimas que o autor chorou e consolou. Não é uma proposta de ensaio teológico, mas uma reflexão sobre cativeiros afetivos e suas desastrosas consequências.  Pe. Fábio de Melo convoca com a leitura o olhar do leitor para os seus relacionamentos, identificando neles posturas que, em nome do amor, possa nutrir o sequestro da subjetividade. Em nome do amor, nos tornamos vítimas ou algozes. Impomos ou aguentamos fardos; aprisionamos ou nos tornamos prisioneiros; e por ser prática comum, nos sentimos justificados.
Absorvidos pelos cansaços da vida que vivemos, pouco tempo nos resta para o cultivo de uma vida interior (18). Tal realidade nos impede de cultivar o nosso interior, nos empurrando aos braços de outros que vivem a mesma negligência. Os sequestros são iniciados assim.
Sequestros subjetivos são aqueles que perdermos nossas identidades, a posse de nós mesmos, o cativeiro nos leva a ausência de nós mesmos, o esquecimento do nosso ser. Relações saudáveis são relações que nos devolvem a nós mesmos, e, o melhor, devolvem-nos melhorados.
Tornar-se pessoa é estabelecer o equilíbrio entre os dois pilares, disposição de si e disponibilidade para o outro. Em um mundo acelerado, confuso entre prazer e desejo, enraizado no mito do amor romântico, os sequestros são frequentes. Cabe ao ser a superação da idealização, afinal não existe a pessoa ideal, mas sim a pessoa certa.
Para o autor, o sequestro da subjetividade, de alguma forma já nos atingiu. Ou porque promovemos o sequestro de alguém, ou porque estamos vivendo os lamentos de um cativeiro em que fomos colocados. É hora de reação. Não importa onde estamos. O que importa é aonde podemos chegar. Livres... Indico. 


"Temer uma realidade ou uma pessoa é o mesmo que lhe entregar o direito de nos assombrar constantemente" (46)

"Quando somos plurais, só o podemos ser se estivermos na posse de nossa singularidade, caso contrário, a pluralidade nos esmaga" (62)

"É comum que nossa capacidade de amar esteja condicionada pelas nossas necessidades" (75)

"A teologia cristã nos ensina que o conhecimento de Deus nos coloca em contato com o ser humano que Ele deseja que sejamos" (76)

"...ao sujeito cabe a função de realizar a ação do verbo" (92)

segunda-feira, 7 de março de 2016

A festa é minha e eu choro se eu quiser


Maria Clara Drummond, carioca, nascida em 1986, formada em jornalismo, se arriscou como escritora na obra A festa é minha e eu choro se eu quiser. Eu, particularmente, acredito que ela acertou em cheio. Não se iluda com a pequena quantidade de páginas, o livro não tem nada de superficial. 
Davi é um jovem com um futuro profissional promissor. Também é frequentador das festas mais badaladas do Rio e São Paulo, conhecedor da nata elitizada do meio artístico e "pegador" de belas mulheres. De longe, a vida que todos desejam. Mas, Davi possui algo que, mesmo com as noitadas, ansiolíticos, drogas e sexo, o acompanha, sua autoconsciência. 
Ele sabe que é uma fraude, que todos são, mas que ninguém afinal se engana, pois estão todos autocentrados demais para perceber além da estampa. Todos se tornaram disfarces, e o amor, obviamente é pelo disfarce. Não que ele não tenha sido amado, citarei Cecília, autêntica e original. 
Mas, em um mundo que cobra superficialidade, onde todo mundo é paparazzi de si mesmo, o tempo todo, Cecília não cabe. Ela, na verdade, nem se esforça para caber. Também não faz esforço para fazer parte da mistura Instagran e alma, com filtros que só permitem a alegria passar. 
E é nessas reflexões sobre a superficialidade das redes sociais, das relações, do conhecimento que vamos confirmando o que já sabemos: estamos na era da imagem. Do período da dúvida, "se o que sentimos são emoções genuínas ou reações químicas do novo remédio prescrito pelo médico". Duvida se somos capazes de reagir bem à frustração, à ausência de alegria, à nossa própria vida, ou se seremos juntos, exemplo de comportamento virtual, que de tantas qualidades, se torna insuportável e dolorosa a inveja de nós mesmos. Indico. 

O Peregrino - versão ilustrada e adaptada


Conheci O Peregrino de João Bunyan (1628-1688) em 1997. Guardei muitas coisas do livro na memória. Ainda bem! Ao pedir na estante Skoob, não me atentei que é uma adaptação, que diga-se de passagem, muito resumida. 
Além de resumida, algumas coisas não são fiéis ao original, como por exemplo, a luta do Cristão contra Apoliom no Vale da Humilhação. Os dardos inflamados que Apoliom lança são contra a fé do Cristão, detalhe não citado nessa versão. Pode parecer bobagem, mas eu não vejo assim. A parte dos leões, foi colocada como um teste de fé. Não sei se é o lance da tradução, mas sabemos que o diabo (os leões acorrentados), procura a quem possa tragar (Sede sóbrios, vigiai 1Pe 5:8). Fiquei um pouco decepcionada, vou emprestar a uma amiga que pediu, mas acho que ela merece a versão completa. Hei de pedir na estante com mais atenção. 
Bom, mas vale citar que o livro em si (essa adaptação) não é ruim, afinal tudo coopera para o nosso bem. Vale também registrar aqui sobre o autor, que por ser um pregador protestante sob o reinado de Jaime II (religião anglicana/Inglaterra) permaneceu preso por 12 anos. Ele escreveu O Peregrino na cadeia, na esperança de fortalecer espiritualmente sua esposa, filhos e congregação. 
O Peregrino é o livro mais conhecido, depois da Bíblia. Como citei, lembro de várias partes e muitas me motivaram e motivam em momentos de dificuldades. Nessa leitura que fiz, mesmo de forma abreviada, percebi o que me faltou (discrição e sua família) na descida do Monte da Dificuldade, ou seja, uma situação específica. Como disse, tudo coopera para o nosso bem. Indico as duas versões (apesar que deixei claro a minha preferência). 

quinta-feira, 3 de março de 2016

A arte de escrever para idiotas

Capítulo: A arte de escrever para idiotas
(livro: Como conversar com um fascista - Márcia Tiburi - texto com Rubens Casara)

Em nossa cultura intelectual e jornalística surge uma nova forma retórica. Trata-se da arte de escrever para idiotas que, entre nós, tem feito muito sucesso. Pensávamos ter atingido o fundo do poço em termos de produção de idiotices para idiotas, mas proliferam subformas, subgêneros e subautores que sugerem a criação de um nova ciência.

Estamos fazendo piada, mas quando se trata de pensar na forma assumida atualmente pela “voz da razão” temos que parar de rir e começar a pensar.

Artigos ruins e reacionários fazem parte de jornais e revistas desde sempre, mas a arte de escrever para idiotas vem se especializando ao longo do tempo e seus artistas passam da posição de retóricos de baixa categoria para príncipes dos meios de comunicação de massa. Atualmente, idiotas de direita tem mais espaço do que idiotas de esquerda na grande mídia. Mas isso não afeta em nada a forma com que se pode escrever para idiotas.

Diga-se, antes de mais nada, que o termo idiota aqui empregado guarda algo de seu velho uso psiquiátrico. Etimologicamente, “idiota” tem relação com aquele que vive fechado em si mesmo. Na psiquiatria, a idiotia era uma patologia gravíssima e que, em termos sociais, podemos dizer que continua sendo.

Uma tipologia psicossocial entra em jogo na história, baseada em dois tipos ideais de idiotas: oidiota de raiz, dentre os quais se destaca a subcategoria do idiota representante do conhecimento paranoico, e o neo-idiota, com destaque para o “idiota” mercenário que lucra com a arte de escrever para idiotas.

Vejamos quem são:
1- O Idiota de raiz é fruto de um determinismo: ele não pode deixar de ser idiota. Seja em razão da tradição em que está inserido ou de um déficit cognitivo, trata-se de um idiota autêntico.

O Idiota de raiz divide-se em três subtipos:
1. 1 – Ignorante orgulhoso: não se abre à experiência do conhecimento. Repete clichês introduzidos no cotidiano pelos meios de informação que ele conhece, a televisão e os jornais de grande circulação, em que a informação é controlada. Sua formação é “midiatizada”, mas ele não sabe disso e se orgulha do que lhe permitem conhecer. No limite, o ignorante orgulhoso diz “sou fascista”, sem conhecer a experiência do fascismo clássico da década de 30 e o significado atual da palavra, assim como é capaz de defender sem razoabilidade alguma ideias sobre as quais ele nada sabe. Um exemplo muito atual: apesar da violência não ter diminuído nos países que reduziram a maioridade penal, a ignorância da qual se orgulha o idiota, o faz defender essa medida como solução para os mais variados problemas sociais.  Ele se aproxima do “burro mesmo” enquanto imita o representante do conhecimento paranoico, apresentados a seguir.

1.2 – “Burro mesmo”: não há muito o que dizer. Mesmo com informação por todos os lados, ele não consegue juntar os pontinhos. Por exemplo: o “burro mesmo” faz uma manifestação “democrática” para defender a volta da ditadura. Para bom entendedor, meia palavra…

1.3 – Representante do conhecimento paranoico: tendo estudado ou sendo autodidata, o representante do conhecimento paranoico pode ser, sob certo aspecto, genial. Freud comparava, em sua forma, a paranoia a uma espécie de sistema filosófico. O paranoico tem certezas, a falta de dúvida é o que o torna idiota. Se duvidasse, ele poderia ser um filósofo. O conhecimento paranoico cria monstros que ele mesmo acredita combater a partir de suas certezas. O comunismo, o feminismo, a política de cotas ou qualquer política que possa produzir um deslocamento de sentido e colocar em dúvida suas certezas, ocupa o lugar de monstro para alguns paranoicos midiaticamente importantes.

Curioso é que o representante do conhecimento paranoico pode parecer alguém inteligente, mas seu afeto paranoico o impede de experimentar outras formas de ver o mundo, abortando a potência de inteligência, que nele é, a todo momento, mortificada. Isso o aproxima do “ignorante orgulhoso” e do “burro mesmo”.
Em termos vulgares e compreensíveis por todos: ele é a brochada da inteligência.

2 – O neo-idiota: o neo-idiota poderia não ser um idiota, mas sua escolha, sua adesão à tendência dominante, o coloca nesse lugar. Não se pode esquecer que, além de cognitiva, a inteligência é uma categoria moral. O neo-idiota não é apenas um idiota, mas também um canalha em potencial.

Há dois subtipos de neo-idiota:
2.1 – O “idiota” mercenário quer ganhar dinheiro. Ele serve aos interesses dominantes, mas é um idiota como outro qualquer, porque não ganha tanto dinheiro assim quando vende a alma.
Nessa categoria, prevalece o mercenário sobre o idiota. Por isso, podemos falar de um idiota entre aspas. Ganha dinheiro falando idiotices para os idiotas que o lerão. Seu leitor padrão divide-se entre o “burro mesmo” e o “idiota cool”. Ele escreve aquilo que faz o “burro mesmo” pensar que é inteligente. O idiota cool, por sua vez, se sente legitimado pelo que lê. O que revela a responsabilidade do idiota mercenário no crescimento do pensamento autoritário na sociedade brasileira. Apresentar Homer Simpson ou qualquer outro exemplo de “burro mesmo” como modelo ideal de telespectador ou leitor é paradigmático nesse contexto.

2.2 – O “idiota cool” lê o que escreve o idiota mercenário. Repete suas ideias na esperança de ser aceito socialmente. De ter um destaque como sujeito de ideias (prontas). Ele gosta de exibir sua leitura do jornal ou do blog e usa as ideias do articulista (do representante do conhecimento paranoico ou do idiota mercenário) para tornar-se cool. Ele segue a tendência dominante. Ao contrário do “burro mesmo”, nele sobressai o esforço para estar na moda. Como, diferentemente dos seus ídolos, ele não escreve em jornais ou blogs famosos, ele transforma o Facebook e outras redes sociais no seu palco.

Diante disso, temos os textos produzidos a partir da altamente falaciosa arte de escrever para idiotas. O sucesso que alcançam tais textos se deve a um conjunto de regras básicas. Identificamos dez, mas a capacidade para escrever idiotices tem se revelado engenhosa e não deve ser menosprezada:

1-    Tratar como idiota todo mundo que não concorda com as idiotices defendidas. O texto é construído a partir do narcisismo infantil do articulista. O autor sobressai no texto, em detrimento do argumento. Assim ele reafirma sua própria imagem desqualificando a diferença e a inteligência para vender-se como inteligente.

2-    Não deixar jamais que seu leitor se sinta um idiota. Sustentar idiotices com as quais o leitor (o burro mesmo, o ignorante orgulhoso e o idiota cool) se identifique, o que faz com que o mesmo se sinta inteligente.

3-    Abordar de forma sensacionalista qualquer tema. Qualquer assunto, seja socialmente relevante ou não, acaba sendo tratado de maneira espetacularizada.

4-    Transformar temas desimportantes em instrumentos de ataque e desqualificação da diferença. Por exemplo, a “depilação feminina” já foi um assunto apresentado de modo enervante, excitante, demonizante e estigmatizante. Nesse caso, o preconceito de gênero escondeu a falta de assunto do articulista.

5-    Distorcer fatos históricos adequando-os às hipóteses do escritor. Em uma espécie de perversão inquisitorial, o acontecimento acaba substituído pela versão distorcida que atende à intenção do autor do texto para idiotas.

6-    Atacar alguém. Este é um dos aspectos mais importantes da arte de escrever para idiotas. A limitação argumentativa esconde-se em ataques pessoais. Cria-se um inimigo a ser combatido. O inimigo é o mais variado, mas sempre alguém que representa, na fantasia do escritor, o ideal contrário ao dos seus leitores (os idiotas: o burro mesmo, o ignorante orgulhoso e o idiota cool).

7-    Reduzir tudo a uma visão maniqueísta. Toda complexidade desaparece nos textos escritos para idiotas.  O mundo é apresentado como uma luta entre o bem e o mal, o certo e o errado, o comunismo e o capitalismo ou Deus e o Diabo.

8-    Desconsiderar distinções conceituais. Nos textos escritos para idiotas, conservadores são apresentados como liberais, comunistas são confundidos com anarquistas, etc.

9-    Investir em clichês e ideias fixas. Clichês são pensamentos prontos e de fácil acesso. Sem o esforço de reflexão crítica, os clichês dão a sensação imediata de inteligência. Da mesma maneira, o recurso às ideias fixas é uma estratégia para garantir a atenção do leitor idiota (o burro mesmo, o ignorante orgulhoso e o idiota cool) e reforçar as “certezas” em torno das hipóteses do escritor (nesse particular, Goebbels, o chefe da propaganda de Hitler, foi bem entendido).

10-Escrever mal. A pobreza vernacular e as limitações gramaticais são essências na arte de escrever para idiotas. O leitor idiota não pode ser surpreendido, pois pode se sentir ofendido com algo mais inteligente do que ele. Ele deve ser capaz de entender o texto ao ler algo que ele mesmo pensa ou que pode compreender. Deve ser adulado pela idiotice que já conhece ou que o escritor quer que ele conheça.

(Para além do que foi identificado acima, fica a questão para quem deseja escrever para idiotas: como atingir a pobreza essencial na forma e no conteúdo que concerne a essa arte?)

A arte de escrever para idiotas constitui parte importante da retórica atual do poder. Saber é poder, falar/escrever é poder, e o idiota que fala e é ouvido, que escreve e é lido, tem poder. O empobrecimento do debate público se deve a essas “cabeças de papelão”, fato que é identificado tanto por pensadores conservadores quanto por progressistas.

O grande desafio, portanto, maior do que o confronto reducionista entre direita e esquerda, desenvolvimentistas e ecologistas, governistas e oposicionistas, entre machistas e feministas, parece ser o que envolve os que pensam e os que não pensam. Sem pensamento não há diálogo possível, nem emancipação em nível algum.

Se não houver limites para a idiotice, ao contrário da esperança que levou a escrever esse texto, resta isolar-se e estocar alimentos.


O eclipse da Graça Philip Yancey

O motivo principal para Philip Yancey escrever Eclipse da Graça: onde foi parar a Boa Nova do Cristianismo? foi a preocupação de que a igreja está falhando em sua missão de ministrar a graça a um mundo sedento dela. Atualmente, as igrejas estão como a fala de John Updike (A Month of Sundays): "Em geral as igrejas (...) tinham para mim a mesma relação com Deus que um outdoor com a coca-cola, promovia a sede sem saciá-la".


Após ver os resultados de levantamentos feitos pelo grupo de pesquisa George Barna, o autor quis explorar o que causou um sentimento hostil em relação aos cristãos. Participando de um grupo de leituras com participantes diversos e de várias experiências, Yancey registrou algumas pistas dos possíveis motivos para a hostilidade em relação aos cristãos:


"Os cristãos parecem uma legião de polícia moral determinada a impor aos outros a sua concepção de comportamento correto; fontes primárias de fanatismos e guerras; condenam comportamentos que praticam; falta de diálogo ou interação com os grupos seculares; parecem mais ministradores da culpa que ministradores da graça; o envolvimento do cristão com a política e os escândalos advindos de tal interação".


Para trabalhar o tema "a graça em extinção" o autor dividiu a obra em quatro partes:
- Um mundo com sede: a visão do leigo sobre o cristão;
- Ministradores da Graça: como poderíamos melhorar-nos como cristãos, fixando-nos em três grupos, peregrinos, ativistas e artistas;
- É de fato uma Boa Nova: E se for, como se sustentar à luz de alternativas oferecidas pela ciência, pela New Age e por outras crenças; e 
- Fé e cultura: o confuso papel do cristão num mundo plural. 


É um livro para quem decide rever seu papel como cristão. Com seu estilo singular, Yancey cita vários autores e experiências, o que enriquece muito mais a leitura. Indico.