sábado, 30 de maio de 2015

Diário Literário - São Bernardo

29/2015 - Paulo Honório, 50 anos, criado por uma doceira, pouca recordação da sua infância resolve escrever sua história. Esfaqueia um sujeito na juventude e foi na cadeia que aprendeu a ler e escrever. Em liberdade, submeteu-se a todo tipo de trabalho e remuneração. Decide voltar à sua terra (Viçosa - interior de Alagoas) e passa a trabalhar na fazenda de São Bernardo. Após a morte do patrão, finge amizade com o herdeiro da fazenda com o intuito de adquiri-la, o que consegue afinal. Para evitar spoiler (que tem demais na internet), vou apenas registrar alguns itens que julguei interessante na obra. O romance se passa em plena Era Vargas. Paulo Honório não é um personagem oprimido, então a visão é do opressor, que claro não se enxerga assim. Como é ele que escreve sua própria história, a narração se dã pela sua compreensão de praticidade e utilidade das coisas e pessoas. Por exemplo, não se casa por amor e sim pela necessidade de um herdeiro, ser que não recebe seu afeto. Ele administra o poder e embrutece cada vez mais a sua alma. Percebemos que ele não é mau, apenas corrompido pelas circunstâncias "a culpa foi desta vida agreste, que me deu uma alma agreste". Recebe mal a chegada das ideias socialistas em sua fazenda, enquanto sua mulher (Madalena) tenta por outro lado abolir as injustiças sociais. Lendo vários resumos, percebemos que a Paulo Honório são conferidas características da situação política, econômica e social que se vinha impondo na época. No final lemos o contexto mundial (Crise da Bolsa - 1929) e nacional (Revolução Constitucionalista de SP - 1932) e vemos que ele também foi atingido. São Bernardo é um romance localista com questões regionais e mundiais que apresenta a saga dos excluídos, de homens e mulheres em luta permanente com a miséria. Indico. 

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Diário Literário - Miséria e grandeza do amor de Benedita



27/2015 - A resenha é sobre um livro que foi encomendado para ser escrito em quatro semanas e para ser disponibilizado na versão (a primeira do país, salvo engano) e-livro (livro eletrônico, para internet). O autor? Ele! João Ubaldo Ribeiro. Que misturava erudição com regionalismo, humor, deboche, alfinetadas políticas e citações de fatos e personagens históricos. Tudo isso é possível de encontrar no livro "Miséria e grandeza do amor de Benedita", e que livro, diga-se de passagem. Apenas 134 páginas de ótima leitura. O enredo acontece na Ilha de Itaparica, dotada de radioatividade e personagens bem típicos. O personagem principal é Deoquinha Jegue Ruça, que morre no início e tem sua vida recontada nas páginas seguintes. Ele é um típico herói nordestino, um Don-Juan com incontáveis filhos e inúmeras mulheres. Devoto ainda a São Gonçalo, que é pra dar conta dessa mulherada toda. E de todas suas posses, pois é rico (percebe-se o clientelismo no livro), a maior de todas é sua esposa, Benedita. Temente a Deus, santa, pura, imaculada, amada e admirada por todos da ilha, Benedita tem o comportamento padrão que deve ter toda mulher do local. Só que a paz de Deoquinha é pertubada quando um de seus filhos ilegítimos deseja se tornar padre e para tal, o Padre Noronha exige que César Augusto leve o nome do pai verdadeiro na certidão de nascimento. Não! Não apenas isso. Também tem que ter o nome de Benedita, ainda que não seja a mãe verdadeira, e morar na casa do casal com os filhos legítimos. Como convencer Benedita? Deoquinha deseja a morte. Como convencer sua santa esposa Benedita!? O enredo gira em torno disso. Sem spoiler, só adianto que o ápice será na prisão de um alemão que difama, nada mais nada menos, a santa pura e honesta Benedita. Terá uma mulher esse poder de enganar a tudo e a todos!? Ótima leitura. Indico. 

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Diário Literário - O lobo da Estepe





26/2015 Confesso que o livro “O lobo da estepe” de Hermann Hesse é complexo, porém imaginativo por sua oscilação entre o simbolismo e o surrealismo. O personagem principal se chama Harry Haller, um outsider, misantrópico que vive entre livros e músicas clássicas. O enredo começa com Harry alugando um quarto mobiliado de uma senhora e por se tratar de um livro autobiográfico, temos em suas andanças diárias o compartilhamento dos pensamentos de Hesse sobre a sociedade burguesa na qual ele se sente inadequado. Suas andanças são dotadas de percepções de si e do mundo ao seu redor. Dentro de si, Harry possui um animal selvagem e primitivo, um lobo. Esse que não permite que Harry conviva de forma pacífica com aquilo que não se adapta. Sua luta constante é a conciliação entre o lobo e o seu ser racional. Tudo muda ao ter contato com um panfleto e com os personagens: Hermínia, Pablo e Maria, acrescentando o Teatro Mágico. Esses vão ensinar Harry a se render às novas possibilidades, consideradas antes por ele como frívolas. Harry, no Teatro Mágico, tem o contato com o seu inconsciente e é nele que vai perceber que não possui apenas duas naturezas (a lupina e a humana) como antes pensava. Tendo contato com seu passado, amores, guerra, reações, personalidades, Harry vai descobrir aos cinquentas anos que é um ser de várias naturezas. Como o autor afirmou em nota, é um livro não sobre morte (suicídio), mas de redenção. Redenção ao novo. Conforme pesquisa, foi um livro bastante lido nos anos da Contracultura, na era da psicanálise, faz sentido. Indico.