sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Sobre o Transtorno Bipolar

(Obs: A Sally, autora do texto não sou eu)
Antigamente ele era chamado de “Psicose Maníaco-Depressiva”, mas o nome começou a ser questionado, pois o termo “psicose” remete a loucura e os portadores desta doença não são mais considerados loucos, no máximo passam por uma “fase” similar à loucura. O termo foi considerado pesado demais e, da mesma forma que aboliram a internação e o eletrochoque como tratamento padrão, também modificaram e humanizaram o nome da doença. Desfavor Explica: Transtorno Bipolar.
A principal característica é que seus portadores sofrem oscilações de humor radicais, muito além de um mero inconveniente. Infelizmente muitas pessoas abrem a boca de forma leviana para se dizerem “bipolares” sem perceber que esta é uma doença série, que seus portadores sofrem muito e que não é nada bonito ser bipolar, muito pelo contrário, a doença leva a um sofrimento intenso. É muito comum que a pessoa se diagnostique como “bipolar” e saia dizendo por aí, para amigos, no trabalho, em redes sociais. Desfavor. É uma doença que pode te levar a comportamentos vexatórios, arriscados e humilhantes e dificilmente quem a tem sai dizendo por aí desta forma. Desconfie de quem te conta rindo que é bipolar.
As causas ainda não são completamente conhecidas, acredita-se que seja um mix de fatores biológicos, genéticos, sociais e psicológicos. Qualquer um de nós pode vir a desenvolver o problema, porém o fator mais preponderante é a genética. Se alguém da sua família foi diagnosticado, procure se informar melhor sobre estar doença para reconhece-la caso ela dê as caras. Isso mesmo, você tem que saber identificar. Já vi muito médico dando como bipolar quem não é. Você é a melhor pessoa para avaliar você. Como não existem exames matemáticos com resultados fechados, o diagnóstico é muito subjetivo e justamente por isso o médico precisa ser muito bom e estudioso para acertar, já que existem dezenas de distúrbios muito parecidos.
O primeiro mito que tem que ser derrubado é o de que bipolaridade se resumo a oscilações de humor. Oscilações de humor todos nós temos. Momentos de alegria e de tristeza também. Oscilações repentinas de humor podem acontecer com cada um de nós. Na bipolaridade o buraco é bem mais embaixo. Tanto a fase maníaca (suposta alegria) como a fase depressiva (suposta tristeza) são em intensidade muito superior a qualquer comportamento socialmente aceitável e são desproporcionais quando analisadas em função dos atos que as desencadeiam. Estar eufórico porque ganhou na loteria é compreensível, estar eufórico porque acha que teve uma ideia brilhante e vai escrever um livro que vai mudar o mundo em uma noite é bipolaridade. A pessoa age como se estivesse sob efeito de álcool ou drogas, com discernimento comprometido e com reações desproporcionais aos estímulos que recebe.
Além desta desproporção entre causa e consequência, a oscilação de humor do bipolar deve ser grave o bastante para comprometer sua funcionalidade social: trabalho, família, amigos, etc. A intensidade dos sentimentos deve ser acima do normal e isso deve durar apenas alguns dias (não meses). Estes ciclos de alterações tem que se repetir por bastante tempo, entre um e dois anos, não sendo apenas uma “fase da vida” e sim se tornando o modo de funcionar daquele indivíduo. Fases ruins todos nós temos. Além disso o comportamento bipolar extrapola qualquer limite da normalidade a olhos vistos, não precisa ser íntimo da pessoa para perceber.
Por exemplo, uma pessoa tida como normal pode ter um surto e faxinar a casa toda ao perceber que ela está com sujeira acumulada ou então virar a noite para concluir um projeto no qual está interessada. Normal. Na bipolaridade a coisa fica mais grave, mais intensa e mais perigosa. Não são necessariamente momentos de alegria alternados por momentos de tristeza, são momentos de MANIA (que não é sinônimo de alegria) alternados por momentos de DEPRESSÃO (que não é sinônimo de tristeza). Mais: esta oscilação não se dá no correr do dia, as fases duram mais do que um dia, muitas vezes chegam a durar uma semana. Se o seu humor muda da manhã para a noite, não culpe a bipolaridade!
Vamos entender porque MANIA não é sinônimo de alegria. Nesta fase a pessoa perde a noção de realidade, não por delírios e sim por uma alteração na percepção. Se acha imbatível, imortal. Tem um excesso de confiança, de otimismo e um excesso de energia que a impulsiona a fazer muita merda e inclusive colocar sua vida em risco com brigas físicas ou outros atos que podem arriscar sua saúde ou suas finanças. Para piorar, é muito comum que estas pessoas procurem algum conforto (se é que este é o termo certo) em bebidas, remédios ou drogas, agravando ainda mais a sua situação.
A pessoa em fase de mania não é uma pessoa “mais alegre” ou “mais ativa”. A fase de mania transtorna o cérebro a ponto da pessoa modificar sua forma de pensar, sentir e agir, fazendo coisas que normalmente reprovaria, condenaria ou sentiria vergonha. É uma perda de discernimento temporária, chegando a causar uma impossibilidade de discernir entre o certo e o errado, o ético e não ético, o moral e o imoral. Muitas vezes quando esta fase passa, vem a vergonha e o arrependimento pelos atos praticados. E não, não estamos falando de coisas bobas como fazer um corte de cabelo radical ou comer uma barra toda de chocolate. Estou falando de coisas que cobrem a pessoa de merda da cabeça aos pés. A pessoa perde a noção de perigo e o bom senso.
Por exemplo, são muito comuns casos de promiscuidade sexual. Não raro ocorrem atos de cunho sexual impensados e arriscados por conta de um aumento incontrolável da libido. Não é “safadeza” da pessoa, é um misto de explosão hormonal com discernimento reduzido. Mulher pode sair dando até para estranhos, homem pode sair comendo pessoas que o comprometerão e depois se arrependem e se envergonham muito disso.
Vi um documentário onde uma mulher contava aos prantos como em uma fase maníaca ligou para o marido de uma amiga e se ofereceu para dar para ele em um discurso permeado por pornografia de baixíssimo nível, sendo que mal o conhecia. ISSO É SER BIPOLAR, não esse discurso cretino para justificar uma personalidade briguenta. Percebem a diferença de intensidade? A pessoa faz coisas que nem sonharia fazer em seus períodos de “normalidade”, a ponto de muitos religiosos burros presumirem que está “possuída pelo demônio”. Quando uma mulher se disser “bipolar” pergunte a ela se de tempos em tempos ela sai dando para qualquer um na rua. Se ela se surpreender ou se ofender, grandes chances de não o ser.
Também é comum que realizem gastos excessivos comprometendo todo o orçamento familiar e deixando a pessoa coberta por dívidas. A pessoa ganha uma euforia, sente um otimismo “mágico” que a leva a se descuidar de suas finanças e até mesmo da sua segurança. Se mete em projetos visivelmente furados, compromete todos os seus bens achando que está fazendo um grande negócio e no final perde tudo. Também tem os que vão ao shopping e compram, compram e compram por impulso, gastam fortunas em coisas que muitas vezes nem precisam.
Não são raras práticas de atividades que coloquem sua vida em risco. A pessoa entra em um modo 220v, acelerada, impulsiva, com uma vontade incontrolável de fazer mil coisas ao mesmo tempo. ISSO é ser bipolar, e não uma pessoa grossa que dá patada nos outros sem motivo por ser uma mal educada da porra que tenta se esconder por trás de uma doença. Em alguns casos essa fase maníaca é tão intensa que vem acompanhada de surtos psicóticos, onde a pessoa pode ter delírios, ver coisas, ouvir coisas. Esse é o grau de bagunça que esta doença pode fazer com a mente do portador.
A fase maníaca é de tal magnitude que quem se encontra nela costuma ter uma resistência assustadora a doenças. É raro ver alguém em períodos de mania (seja no caso da bipolaridade, seja em outros casos) doente. A pessoa pode correr pelada na chuva, no frio, na neve e dificilmente adoece. O organismo está a mil. Justamente por isso, nesta fase as pessoas praticamente não dormem, passam o dia todo desempenhando atividades ininterruptamente, com excesso de agitação mental e motora. Fica bem fácil de perceber, não é apenas uma mudança mental, é também uma mudança física. A pessoa pensa em mil coisas ao mesmo tempo e a agitação mental é tanta que muitas vezes ela nem consegue se fazer compreender, pois pula de um assunto para o outro sem parar.
A fase de mania é uma mudança física e mental incontrolável, intensa, fora da normalidade social. É um furacão, um atropelamento de caminhão, não é um mau humor, uma mera euforia ou um desabafo. Para vocês terem ideia da força desta impulsividade, estima-se que metade da população carcerária dos EUA sofra deste transtorno e tenha cometido seus crimes em um momento de extrema euforia, movidos pela impulsividade.
Essa é a força da impulsividade: aquela que tira o temor das consequências dos seus atos. Não é a pessoa que xinga o amigo, o filho ou o chefe, estes são apenas descompensados da cabeça, ingratos e mal educados. Pessoas que não cruzam uma linha de auto-preservação não são bipolares. O bipolar se coloca em situações de PERIGO, onde pode realmente se ferrar. Observe a pessoa que se diz bipolar, se ela se preservar quando o bicho pegar, desconfie. Bipolares normalmente não medem as consequências dos seus atos na fase de mania, ou então não tem medo destas consequências.
Na mudança da fase maníaca para a fase depressiva pode ocorrer um período de transição, uma fase mista, que mescla os sintomas de ambas. Mas não tenho muito espaço para falar dela, então, vamos pular essa parte. Se quiserem saber mais, pesquisem em sites médicos confiáveis.
A fase depressiva é ainda mais difícil de explicar. Todo mundo se acha “deprimido” hoje em dia. Qualquer tristeza vira um “Ai, estou deprimido!”. Não, não e não. A pessoa deprimida pensa em se matar ou em morte, sofre de uma angústia constante, não tem energia, não acha graça em nada e normalmente perde muito peso, pois não tem ânimo sequer para se alimentar. Algumas, em casos mais graves, não conseguem nem ao menos sair da cama e passam dias e mais dias sem nem ao menos tomar um banho ou escovar os dentes.
Depressão não é amargura, depressão não é decepção, depressão não é dor de cotovelo. Depressão é algo grave, incapacitante, contra o qual a pessoa não pode usar “força de vontade”, é algo bioquímico. Salvo engano tem um texto sobre depressão aqui no blog. Uma pessoa deprimida se desinteressa por tudo, se afasta dos outros e muitas vezes está completamente incapacitada de sentir prazer em qualquer coisa que faça. Se o seu namorado te largou e você está triste, isso não quer dizer que você esteja deprimida. Na depressão há uma desproporção de sofrimento e um prolongamento além do normal de uma tristeza muito profunda e incapacitante.
Uma coisa que sempre gosto de dizer quando vem esses falsos bipolares justificar sua personalidade repulsiva com uma doença que não tem é: até bem pouco tempo, bipolares eram trancados em FUCKIN´ MANICÔMIOS e tratados com ELETROCHOQUE. Depois, peço para que a pessoa reflita se seu comportamento daria ensejo a uma internação em um manicômio. Geralmente a pessoa fica envergonhada e diz que não. Chega de brincar com o sofrimento alheio, chega de dizer que é bipolar rindo e achando isso álibi para suas grosserias ou falta de controle. Esta é uma doença séria e quem realmente o é não tem o menor prazer nisso e sai muito prejudicado com essa banalização irresponsável que estão fazendo.
O tratamento dos pacientes bipolares não se resume a medicação, embora muitos equivocadamente se limitem a tomar remédios. É INDISPENSÁVEL que, além da medicação, se procure algum tipo de terapia, pois não é apenas o corpo que está em desequilíbrio, a mente também. Não raro pacientes interrompem a medicação quando se sentem melhor achando que estão curados (pois seus efeitos colaterais podem não ser dos mais agradáveis, vide as ricas informações que o Pilha nos deu quando fazia uso deles) e retornam à estaca zero, tendo novos episódios.
Além de medicação e terapia, eles também tem que observar alguns hábitos de vida e restrições alimentares. Por exemplo, se recomenda a não ingestão de cafeína, o que implica em não comer café, mate, coca-cola, chocolate e tantos outros alimentos populares. Também se recomenda a não ingestão de álcool, o que no Brasil é quase que uma ofensa pessoal. Muitas horas de sonos, horários regrados, controle do peso, prática regular de atividade física e muitas, muitas outras recomendações devem ser seguidas à risca para que o tratamento de fato seja efetivo. E mesmo quando o é, esta pessoa nunca vai funcionar como eu e você, ela sempre vai funcionar de uma forma diferente. Ela terá que encontrar sua própria “normalidade”.
Dá revolta quando vejo uma mulher comendo um chocolate, ou tomando um chopp, ou acima do peso e sedentária dizendo “Eu sou bipolar, sabe, não me leve a mal se eu fizer uma grosseria com você, eu tenho esse problema”. SE tem o problema, coisa que eu duvido muito porque quem o tem não costuma falar do assunto de uma forma leve e casual, não está fazendo chongas para melhorar. Vai malhar, vai controlar a alimentação, vai fazer terapia e vai se medicar se quer viver em sociedade. Caso contrário, vai para uma montanha e não paunocuza.
Muito fácil dizer “Pois é, eu sou bipolar, tolere minha grosseria” e não fazer sua parte para melhorar. Sendo assim, eu sou tripolar: tenho mania, tenho depressão e tenho AGRESSIVIDADE, tolere meu soco na sua cara quando você for grosseira comigo, eu também sou doente. O fato é que geralmente quem usa bipolaridade para abusar da boa vontade alheia não costuma realmente ser bipolar. Quem é costuma sentir vergonha e arrependimento pelas merdas que faz, ou melhor, POR CADA merda que faz. É um sentimento constante. Arrependimento sazonal não conta.
Outro erro comum é pensar que o bipolar ou está em mania, ou está em depressão. Não, ele tem estados de “normalidade” e isso não significa que tenha se “curado”. Infelizmente a banalização do termo “bipolar” vem dificultando ainda mais o diagnóstico. Tem gente que chega no médico e conta SUA percepção alterada da sua realidade, mentindo (muitas vezes sem querer mentir) e induzindo o médico ao erro. São as vítimas profissionais, as pessoas que gostam de achar que sofrem muito.
Vou dizer algo extremamente impopular porque sou dona da casa, algo que não posso dizer no “mundo real”: muita gente procura o médico QUERENDO um diagnóstico de bipolaridade, para justificar sua chatice, sua paunocuzice, sua falta de educação e sua grosseria. Sentam a bunda lá e contam meias verdades como “Eu já tentei me suicidar” (quando na verdade só encostou uma faca no peito berrando que ia se matar por pura chantagem) ou exagerando sintomas, para ganhar a “carteirinha de doente” de modo a não se sentirem tão culpados quando fizerem merdas que são sua e nada mais do que sua responsabilidade. Gente assim TEM QUE ser desmascarada e tem que perder essa “imunidade”, essa “carta branca” para se portar como bem entende.
Como se isso já não complicasse o bastante a coisa, ainda existem doenças muito parecidas que muitas vezes colocam o paciente em uma zona cinzenta. Por exemplo, o Transtorno de Personalidade Borderline, que tem muito em comum com a bipolaridade mas não são. Um profissional não tão atento ou não tão estudioso pode errar o diagnóstico. Se você tem dúvidas, procure pelo menos três opiniões.
Olha, eu queria falar também sobre bipolaridade em crianças, que é algo que está crescendo muito e tem suas peculiaridades. Crianças sem diagnóstico são trucidadas pelos pais de forma injusta. Mas infelizmente não cabe mais nada, sugiro que quem tiver interesse pesquise sobre o assunto.
E se errei em algum ponto, por favor me corrijam. Quem já passou por isso certamente pode dar relatos ou detalhes valiosos que com certeza ajudarão quem está tendo que lidar com este problema.
Para dizer alguma frase machista como “isso é falta de um tanque de roupa suja para lavar”, para dizer que bipolaridade no seu tempo se chamava TPM ou para desmerecer de qualquer outra forma e levar uma patada: sally@desfavor.com