Eu
até gosto de ler, mas não leio todo dia. (diário de uma leitora parte I)
Confesso!
Gosto de ler. A questão é que gosto de ler mais do que você, só isso. Por mais
que pareça que gosto de ler demais, passo dias sem ler. Dos poucos detalhes da
minha infância que me recordo, um deles é o primeiro livro que li. Sem
incentivo, sem metas na escola – ainda que tenha me surpreendido com o prêmio
da Biblioteca da E.C.409 Norte que recebi como a melhor leitora na 5ª série –,
sem ser leitura obrigatória. Sempre tive biblioteca em casa, fui até ela por
conta própria. Abro parênteses, tenho irmãs que também gostam de ler, não no
meu ritmo, mas também gostam. A leitura de livros é uma característica mais
acentuada nas mulheres da família.
Aonde
vou, com exceção da academia, levo um livro. Sem obrigação de lê-lo. Gosto de
emprestar, ainda que tenha recebido muitos calotes literários em minha jornada.
Sempre tive passos voluntários às Bibliotecas, sem contar inúmeros cadastros, visitas
em livrarias sem compromisso e um detalhe: não é meu forte livro com imagens.
Sempre treinei a imaginação enquanto leio e isso ano passado foi decisivo em uma
recuperação neurológica quando uma síndrome que me foi acometida.
Nunca
tentei convencer ninguém pelo gosto da leitura, nem mesmo meu filho. Sempre que
me pedia um livro, eu comprava. Assim também para sobrinhos e outros amigos. Nunca
procurei um relacionamento que goste de livros, mas confesso, tive relacionamentos
que não compreendiam esse gosto literário. Nunca encontrei alguém que lesse
tanto quanto eu, pois eu leio muito, tipo 60 livros por ano e 10 livros ao
mesmo tempo. Tenho um ritmo próprio, um livro no ônibus na ida, outro na volta
e um capítulo dos outros antes de dormir. Não leio toda noite, só se tiver
vontade. Sinto-me constrangida quando alguém me apresenta dizendo que leio
muito, parece que sou de outro mundo.
Quando
tive esgotamento mental nesse ano, culparam a leitura. Foi-me proibido ler
antes de dormir, larguei até de dormir com os gatos e no fim, não tinha nada a
ver o estado físico com as letras e nem com os pelos felinos. Não durmo mais
com os gatos, mas voltei a ler antes de dormir. Sim, sou TDAH! Leio páginas
diversas vezes, porque percebo que perco o foco durante a leitura. Tenho livros
que não lembro de que se trata, ainda mais antes do tratamento com
meltifenidato (2004). Vejo pessoas citando acontecimentos e percebo que passou
batido. Vou ao livro e dou uma espiada. Costumo ler muitas resenhas antes de
ler, e não tenho problemas em saber o final.
Eu
adoro livros que narram fatos ausentes na História oficial e nos livros didáticos
(exemplos e indicações: “Escândalos Reais” de Michael Farquhar e “As grandes
amantes da História” de Michael Kent). Disseram-me: cuidado! sobre alguns livros e
mesmo assim li: “O livro capa preta de São Cipriano” e “Ele veio para libertar
os cativos” de Rebbeca Brown. Até hoje não sei o perigo de lê-los. Li livros
com temas polêmicos que mexem com a nossa comodidade religiosa “O Evangelho
segundo Jesus Cristo” e “Caim” ambos de José Saramago (do autor já li seis
livros), “Eunucos pelo reino de Deus” de Uta Ranke Heinemann, “A Bíblia nas
suas origens”, “A ética protestante e o espírito do capitalismo” de Max Weber, “O
desaparecimento de Deus” de Richard Elliot Friedman, “As prostitutas na Bíblia”
de Jonathan Kirsch e “Sexualidade e erotismo na Bíblia” de Santos Benetti.
Confesso
que os livros fazem muito mais sentido quando casa com o que já vivi e senti.
Têm os livros manuais, espirituais, históricos, mas eu sei na epiderme sobre a
sensação de Sabrina em “A insustentável leveza do ser” de Milan Kundera, assim
como também sei sobre Teresa em “o sono compartilhado é o corpo delito do amor”.
Sei de Elizabeth Gilbert em “Comer, rezar e amar” quando desesperada sem saber
o que fazer, sente dentro de si uma voz dizendo “vá dormir”, pois era a única
coisa a se fazer no momento.
Sei
da ansiedade e percepção de desajustamento na sociedade de Brigdet Jones (livro
de Helen Fielding com 320 páginas que devorei em poucas horas) e da sua distração
no cotidiano. Sei da busca terapêutica de Mercedes (Divã – Marta Medeiros) que
encontra suas respostas nas suas próprias perguntas nas sessões terapêuticas. Assim como
ela, sei bem o que é sentir saudades de momentos e de quem era naqueles
momentos e saber que isso não significa que sinto saudades da pessoa envolvida
nisso.
(continua)