sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Ensaio da Lucidez



Bom, acabei de ler o 60º livro, completando assim minha lista de livros lidos em 2012 e que está na postagem anterior.

O livro Ensaio sobre a lucidez de José Saramago não se resume apenas à uma sátira dos modelos democráticos. De fato é uma alusão à possibilidade das instituições democráticas tomarem decisões autoritárias com o pretexto de proteger os princípios da democracia.


Saramago começa com suspense sobre um processo de eleição que aparenta que os eleitores não vão comparecer devido à chuva. Porém, os eleitores aparecem na última hora e o susto geral é o número final: 80% de votos em branco. Diante de um resultado inesperado, que segundo os viciados no poder, fere à democracia, é necessário uma nova eleição. Com todos os aparatos legais, faz-se um apelo à população, VOTEM! Após uma semana, ocorre uma nova eleição, porém, dessa vez com vários espiões entre os eleitores para descobrir quem incitou a canalha a agir dessa forma. O resultado segue igual.

Declarada a situação de exceção, o ministro da defesa deseja na verdade o estado de sítio, como uma muralha invisivel para proteger o resto da nação. Vários cidadãos são "convidados" para declarar sua opinião, e a censura de forma sutil, impede a imprensa de publicar qualquer coisa que desagrade ou seja tomado como suspeito. As autoridades depois do resultado eleitoral simplesmente  se ausentaram da cidade, após declarar estado de sítio para que a população perceba a necessidade de governantes. Tipo entregues à anarquia.

Bom, por mais que as ações governamentais após o resultado eleitoral pareçam ditatoriais, todos sabem que Saramago fez uma censura ao sistema democrático. A democracia que é questionada. Aliás, o autor em vida em uma entrevista afirmou "...no mundo tudo se discute, mas a democracia surge com pura, inquestionável... é o poder econômico que realmente governa, usando a democracia ao seu favor".

Saramago utilizou nesse livro a mesma população e país do seu livro lançado em 1995 "Ensaio da Cegueira". Se no citado a cegueira era a física, nesse a cegueira pode ser identificada como a acomodação diante de um sistema político que é servido ao invés de servir.

É nesse livro que vamos nos deparar com reflexões dos personagens tais quais:

"Aprendi neste ofício que os que mandam não só não se detêm diante do que nós chamamos absurdos, como se servem deles para entorpecer as consciências e aniquilar a razão" (284)

"E tu, acreditas, eu cumpro ordens, mas ele é o chefe, não pode estar a dar-nos sinais de desorientação, depois as consequências sofrmo-las nós, quando a onda bate no rochedo, quem paga sempre é o mexilhão..." (241)

"Nascemos, e nesse momento é como se tivessémos firmado um pacto para toda a vida, mas o dia pode chegar em que nos perguntemos Quem assinou isto por mim" (285)

"Prudente, dizia, é não despertar o dragão que dorme, estúpido é aproximar-se dele quando está acordado" (290)

"Há pessoas que continuam de pé mesmo quando derrubadas" (315)

Saramago, como está escrito na orelha do livro, não propõe a substituição da democracia por um sistema alternativo, mas o seu permanente questionamento. INDICO!