domingo, 9 de janeiro de 2022

 1/2022

O autor aborda os mitos e lendas presentes na obra Macunaíma de Mário de Andrade sobre os astros e fenômenos celestes.

 A observação astronômica dos nossos povos primitivos não desenvolveu uma astronomia, como os outros povos da América pré-colombiana, mas tentaram explicar algumas características dos astros. 

Para eles, o céu era um espelho das nossas fauna e flora.


 Um ótimo livro para ler junto com Macunaíma, que inclusive, se tornou estrela, como todo herói.  

sábado, 17 de julho de 2021

Maria Bonita: sexo, violência e mulheres no cangaço


Se você é apaixado por Lampião e Maria Bonita, aconselho que não leia. Simples assim. O mito em torno dos heróis do cangaço vai cair por terra e a ânsia de vômito é certeira a cada página lida. Vale ressaltar que esses personagens foram elaborados pela mídia pouco antes da morte dos líderes e que esse apelido Maria Bonita nem era usado por ela enquanto viva. O Robin Hood e a primeira dama do sertão nasceram após a trágica morte dos dois. 

Maria de Déa era casada antes de se tornar cangaceira e sua chegada ao bando permitiu que os participantes levassem suas  mulheres, mesmo que sequestradas (o que aconteceu com a maioria). O estupro cometido pelos cangaceiros diminuiu, mas não deixou de ser praticado, pois havia prazer em "cobrir uma fêmea". Ser mulher era desgraçadamente perigoso.

A amizade de Lampião com coronéis, aliás, a forma como se tornou cangaceiro e sua amizade com Padim Ciço já demonstra que a sua violência era acobertada por figuras importantes que poderiam dar fim ao cangaço. Quando Lampião se tornou um personagem cinematográfico e midiático de interesse geral de um público nacional e estrangeiro voyerista, surge a necessidade de demonstrar serviço policial e dar fim ao movimento do cangaço. Revisionismo histórico total! 



 

O Avesso da Pele


O Avesso da Pele foi o livro do grupo de leitura da Bilbioteca da UNB no mês de junho. Pode parecer apenas o relato de um filho sobre os seus pais, mas é bem mais do que isso, é um relato vivo da sociedade brasileira. Jeferson Tenório apresenta o relato de Pedro sobre a trajetória dos seus pais antes do seu nascimento e após a separação. Seu pai, um professor que descobre o racismo sofrido desde a infância após o contato com um professor, tenta fazer o mesmo com seus alunos, mesmo desmotivado com o sistema educacional falido em Porto Alegre. Sua mãe, com seus monstros psicológicos advindos da infância, tenta a cura no seu relacionamento conjugal, o que, não ocorre. Esse racismo estrutural mascarado ou ideologicamente justificado é a temática que dá um soco no estômago. Não é uma leitura fácil, mas necessária, a começar pela sala de aula. O desfecho pode parecer apelativo, mas é o mesmo que assistimos nos noticiários anestesiados por esse pileque homérico que nos acomete e nos direciona a normalidade da violência vertical. 
 

Cem Anos de Solidão (releitura)


Confesso que li Cem Anos de Solidão em três dias no ano de 2008. Devorei! Foi meu primeiro caso de amor com Gabriel García Márquez. Não é o meu preferido, apesar de tão aclamado pelo público literário. Decidi lê-lo novamente, pois essa rapidez me fez esquecer e eu gostaria muito de, após a formação em História, absorver a narrativa histórica subliminar (ou não) na Macondo ficcional. Mas, decidi que seria uma leitura sem pressa, apesar que tediosa pelos Aurelianos, Arcádios, Remédios ... muita calma e atenção. Que mente brilhante! Sem descrever o que todos já sabem, é a narrativa de uma América Latina e seus impasses históricos (liberais versus conservadores, exército, sumiço de corpos, o fanatismo religioso, o massacre das bananeiras, a presença estrangeira, o interesse na botânica, as guerilhas e por fim, a forma como a narrativa real é apagada em livros didáticos e mídias a serviço do poder local ou "imperialista"). Só foi possível analisar Cem Anos de Solidão nessa perspectiva histórica após a leitura As veias abertas da América Latina (Eduardo Galeano). Mas, é um livro com várias possibilidades e certamente eternizou o autor colombiano. 

 

Redemoinho em dia quente - Jarid Arraes

 

A escritora, poetisa, cordelista nasceu em 1991 em Juazeiro do Norte (CE) e atualmente mora em SP. Livro escolhido pelo grupo de leitura Leitores Anônimos (junho/2021) revela mulheres em situações cotidianas, o que por si só, traz uma identificação em alguns dos relatos apresentados. Mesmo não sendo baseado em personagens reais, temos narrativas realistas, fantasiosas, psicológicas e também críticas sociais. 

O primeiro conto, da dona Francisca, devota a Padim Ciço, é a abertura que faz você continuar ou largar pelo seu desfecho inesperado. Já em Cinco Mil Litros, situações entre uma mãe e uma filha com a necessidade pautando a ação e o destino de ambas. Já em Moto de Mulher, eis que me vi! Para não tornar cansativo, o que mais me comoveu foi Telhado quebrado com gente morando dentro e o que não traguei de jeito nenhum foi Novo Elemento, tipo, sem sentido, pra mim, obviamente. 

Mesmo sendo sobre um Cariri urbanizado, muito do que foi descrito é comparavél com o cotidiano de mulheres da Capital Federal, talvez por essa aproximação cultural que tanto temos e amamos com o Nordeste. Temas debatidos atualmente e que eram tabu até então, é apresentado  o que abre brechas para o debate. Indico! 

O conto da Aia

 


Bom, eu gosto de distopia. Confesso que a temática é quase profética na onda conservadora que assola a política atual brasileira. A autora, Margaret Atwood, publicou seu livro nos anos 80 e sua obra veio à tona novamente com o sucesso da série, que ainda não assisti. Vale ressaltar que foi o livro de junho do grupo de leitura Leia Mulheres Petrópolis. 

A nação dos EUA após passar por problemas de cunho ambientais, políticos, morais adentra em uma ditadura teocrática baseada em uma autoritarismo puritano. Lembrei muito da obra A Letra Escarlate de Nathaniel Hawthorne (Indico!!!). Mulheres são submetidas aos padrões embasados no Livro Sagrado cristão. Doutrinadas por mulheres mais velhas, são preparadas para fornecer o útero às mulheres estéreis casadas com comandantes. São as Aias. 

Essas mulheres perderam a autonomia sobre o próprio dinheiro, emprego e o próprio corpo. Seus úteros servem ao Estado. Recebem novos nomes e suas escolhas são definidas pela verticalidade do poder, pois uma das causas do fracasso da antiga sociedade, segundo o Estado, foi o excesso de escolhas que as mulheres conquistaram. Tendo como causa maior a descendência e não o matrimônio romântico, as esposas dos comandantes participam dos ritos de fecundação seguindo o Velho Testamento (tão atemporal):

"Raquel disse: dá-me filhos ou senão eu morro... eis aqui a minha serva, entra nela para que tenha filhos sobre os meus joelhos e eu, assim receba filhas por ela".

Claro, que, alguns cidadãos de bem quebram as regras e agem na clandestinidade. Enquanto isso, nossa protagonista procura resistir lembrando do seu passado e da sua identidade, já que o destino das que não se conformam é a substituição ou a morte. Apenas seus úteros tem serventia e nada mais. 

Ainda que seja uma ficção, o desejo do poder vertical é regredir em qualquer conquista do sexo feminino, submetendo a mulher ao modelo conservador do modelo patriarcal. Simples assim. 


domingo, 20 de junho de 2021

As alegrias da maternidade


As alegrias da Maternidade foi o livro de maio do grupo literário Leia Mulheres Petrópolis. Uma das características do grupo é escolher autoras ou personagens femininas marcantes. Li um pouco da biografia de Buchi Emecheta e já me senti atraída por outras obras literárias da mesma. 

Nnu Ego é filha de um líder tribal, logo vamos analisar a tradição e o contemporâneo existente não apenas na atual Nigéria. Sua mãe tem um histórico de amante, muito amada e só lendo mesmo para compreender que naquele contexto o homem tribal podia ter esposas, amantes e escravas. Já Nnu Ego, impossibilitada em ser mãe no seu primeiro casamento, mesmo sendo a preferida do seu pai, é enviada para casar com um pretendente que vive na cidade colonizada pelos britânicos, atual Nigéria. 

O papel da maternidade conduz a trajetória de Nnu Ego e outras mulheres com grilhões tradicionais e os valores femininos são mensurados pelo desempenho dos filhos até a ausência deles. Não existe a mulher como protagonista e sim o papel da maternidade. Sensível e arrebatador. Indico.

O Tigre Branco


O Tigre Branco, de Aravind Adiga, foi o livro escolhido pelo grupo de leitura da BNB no mês de maio. No início, ele é cansativo. Um grande empresário relata a sua trajetória para um político chinês que vai visitar a Índia escrevendo vários e-mails. 

Bom, o tigre branco é um animal raro, aparece de geração em geração. Balram é esse tigre. Sua odisseia começa quando ele decide não seguir o mesmo destino dos homens da sua casta. Sim, fica bem explicado no livro a questão das castas na Índia e como isso compromete até hoje o destino de muitos.
 
A descrição da política (corrupta), das relações familiares e patronais, da miséria paralela ao crescimento e investimento estrangeiro, ... é tão cirúrgica que o autor achou por bem colocar pitadas de um humor ácido para divertir e advertir ao mesmo tempo. É o que torna a leitura possível, pois é revoltante como as permanências só acontecem com a exploração de muitos com o uso da religião e da coerção violenta da polícia a mando do Estado. 

É o oposto do Quem quer ser milionário? e não mostra apenas essa Índia holística e exótica para muitos. Chega a ser a esquina da nossa rua, pois muitas situações citadas não são diferentes no nosso quintal. Já avisando de cara, o filme catalogado na Netflix é muito bom, mas com aqueles desvios de personagens que não dá para compreender o contexto, então, óbvio, o livro é muito indicado. 

 

A Morte e a Morte de Quincas Berro D´Água - Jorge Amado


 

Um modelo perfeito para a sociedade que acaba se transformando em escória da mesma, o que nos faz refletir sobre a morte simbólica para os seus familiares após o não pertencimento do comportamento padrão e as mortes para alívio familiar versus morte como destino desejável daquele que morre. Seria talvez a morte social e depois a física. 

O prefácio foi escrito por Vinícius de Moraes em 1959 que fala do crescimento, segundo ele, do autor que vem desde um livro cheio de defeitos como "O País do Carnaval" até a obra prima em questão "A morte e a morte de Quincas Berro D´Água". É o meu terceiro livro do autor. 

A narração explica bem o título e é tão atemporal pelo fato dessas mortes que temos em vida quando não participamos dos status financeiro, cultural, normativo e padronizado. Sem esquecer o familiar. Mas, o que mais me apeteceu foi a descrição da vida noturna, boêmia, cotidiana e marginalizada do cais da Bahia. 

13º/2021

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Simplesmente Pagu


 Autobiografia Precoce é um livro que não se prende a datas, fatos e nem eventos que vamos ler sobre a vida de Patrícia Rehder Galvão, mais conhecida como Pagu. O desejo não era escrever de forma retrospectiva, pois isso implicava para a autora uma marcha à ré. Contrária a autocrítica, sabia que a experiência se aproveita espontaneamente, sem dogmatização.

Pagu foi escritora, poetisa, jornalista e, dentre várias habilidades profissionais, teve grande destaque como militante da causa comunista. Desde a sua infância, já tinha a percepção dos seus passos fora dos conceitos humanos tradicionais. A obra aborda a sua constante busca pela bondade, beleza e o sabor amargo da insatisfação em não encontrá-las, o que a mantinha no círculo vicioso da procura de toda espécie de ideal.

O que temos como análise positiva é a simplicidade em descrever sua narrativa trágica no seio familiar e a sua trajetória que foi desde a alienação total, a participação de meios literários e artísticos da vanguarda modernista brasileira. A forma como Pagu denuncia em forma de autobiografia o olhar masculino patriarcal sobre a mulher, mesmo que dentro dos movimentos operários, nos faz refletir sobre as pautas de luta que deixaram as necessidades femininas à parte na sociedade.

Por outro lado, essa mesma simplicidade nos leva a indagar se estaríamos lendo sobre a mesma personagem. Não por causa das suas mudanças de convívio, mas pela forma que ela se mostra desconhecedora do mundo intelectual em que esteve inserida e, ao mesmo tempo, desmotivada pelas personalidades que a cercam. De um rompimento não percebido em sua autobiografia, analisamos uma militante inserida no movimento comunista a ponto de abrir mão da maternidade.

Autobiografia Precoce descreve as relações destoadas no seio familiar, o casamento com o modernista Oswald de Andrade, a maternidade, a participação exaustiva no Partido Comunista e até a sua frustração com a causa proletária na prática que, por mais que fosse válida, não se encaixava com os ideais teóricos da revolução soviética. Um desabafo notório de uma grande mulher brasileira à frente do seu tempo.


sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

Anarquia e Cristianismo (vale a pena ler de novo!)

 


Conheci esse autor (sociólogo/teólogo/protestante francês) na leitura de "Política de Deus Política do Homem" um estudo sobre o livro bíblico de Reis. O livro "Anarquia e Cristianismo" é uma aula de História! O autor deixa claro que rejeita absolutamente a violência e descreve a anarquia do ponto de vista de um cristão. Também aponta os motivos de desgosto do anarquismo com o cristianismo, fonte de muitas guerras. Dá-lhe História! 


No capítulo sobre "Bíblia, a fonte de anarquia". O autor começa o capítulo afirmando que anarquia (an-arkhé) não é negação de domínio ou desordem. O homem ocidental está tão persuadido de que a ordem na sociedade só pode ser estabelecida por um poder central forte, que questionar esses poderes, para ele, equivale a semear a desordem. Vale lembrar de Lutero e a revolta dos camponeses, só para reflexão.


Entre outros assuntos é abordado para dar base ao título do capítulo: Referência sobre a Bíblia Hebraica, Jesus e a autoridade da época, o Apocalipse e o contexto histórico no qual foi escrito, a Epístola de Pedro (1 Pe 2.13-17)e Paulo em Romanos 13.1-7. No capítulos finais uma aula de História e demonstração de como o Estado absorveu o cristianismo nos primeiros séculos d.C: Sínodo de Elvira (313); conversão de Constantino (312-313); Sínodo de Arles (314)e o concílio de 314.


Finalizando: "os cristãos engajados precisam evitar cair no balaio da ideologia em voga no momento. A Igreja foi monarquista na época dos reis, imperialista com Napoleão, republicana na República e agora socialista (a Igreja Protestante, ao menos era) socialista como todo mundo". Palavras de um sociólogo e teólogo protestante. Indico!

Resenha 2014 

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

O Ensino Religioso na BNCC (33/2020)


 Organizado por Emerson Sena da Silveira e Sérgio Junqueira a obra contribui para o debate continuado sobre o papel e o significado do Ensino Religioso no Ensino Fundamental. O livro norteia a prática de educadores, pesquisadores e cientistas das religiões no caminho de mediar para que os estudantes possam compreender sua identidade religiosa em uma construção em reciprocidade com o outro e na percepção da ideia do Transcendente, expressas de maneira diversa pelos símbolos, ritos e práticas religiosas. 

Esta publicação reúne nove ensaios que discutem, em diferentes perspectivas, o conteúdo orientador do Ensino Religioso estabelecido na Base Nacional Comum Curricular. É papel do Ensino Religioso, amparado pelos estudos das Ciências da Religião, produzir conhecimento e formação para superar a ignorância, o desconhecimento, a violência religiosa e o preconceito. 

A partir da BNCC é norma que se trate academicamente, de forma didático-pedagógica, a compreensão das manifestações religiosas e de suas contribuições para as sociedades humanas. Por essa razão, o Ensino Religioso que se pretende para os sistemas educacionais visa à construção de conhecimento sobre as religiões no Brasil, que as entende como constituintes de nossa identidade, mas também como uma dimensão da experiência humana, a qual pode ser entendida como categoria antropológica. 

domingo, 3 de janeiro de 2021

Ponciá Vicêncio 1/2021



Ponciá Vicêncio foi a primeira publicação solo de Conceição Evaristo financiada integralmente pela própria autora. Passado pouco tempo, a obra pode ser lida em língua inglesa, francesa e em espanhol. Com adendo, foi material solicitado aos vestibulandos da UFMG, CEFET/Minas e da Universidade de Londrina (2009 e 2010).

Conceição Evaristo é Mestre em Literatura Brasileira/PUC-Rio e Doutora em Literatura Comparada/UFF. Ela afirma que a história de Ponciá Vicêncio não é a sua história, mas quando chamada por Ponciá, quando trocam o seu nome pelo dela, orgulhosamente ela responde: presente! 

Ponciá desde a sua infância teve contato com o medo. Ao buscar barro nas margens do rio e ao ver a grande cobra celeste colorida no céu, tem medo de se transformar em homem ao passar por debaixo do arco-íris. Gostava de ser menina! Não sabia ainda que o seu trabalho e o de sua mãe com o barro um dia seria arte exposta pelos brancos. Produziam juntas copos, pratos e utensílios para presentear e vender nos povoados vizinhos. A mãe que determinava destino e preço e o pai quando retornava da colheita dos brancos acabava cedendo às ordens da mulher: "Era tão bom ser mulher!" Ponciá pensava ao ver a mãe tão segura de si, mesmo tendo o homem e o filho ausentes por longos períodos nas colheitas dos brancos. 

Seu sobrenome é a herança do passado dos seus ancestrais ("uma lâmina afiada a torturar-lhe o corpo", pois havia na assinatura dela a marca do poderio do coronel Vicêncio). Aliás, não gostava do nome. Seu avô, teve três ou quatro filhos nascidos do Ventre Livre e ainda assim, foram vendidos. O pai de Ponciá, filho de ex-escravos, foi pajem do sinhôzinho. Tinha a obrigação de brincar e se submeter as tiranias infantis do filho do dono da terra. Se eram livres, por que continuavam ali? Odiava o pai, principalmente depois da doença mental que o acometia após o "Fato". Ria e chorava. Ponciá ainda de colo, de forma inexplicável se lembrava do avô. 

Aprendeu a ler com os missionários do povoado com permissão da mãe. Para sua genitora era importante saber das letras e também saber os aprendizados da roça: fazer garrafadas, fases da lua, tempo de plantio e de colheita e as benzeduras que curavam dos males da carne e da alma. Aos 19 anos, sem conseguir explicar bem para a sua mãe, foi embora. Sua odisseia começa com o descaso do sagrado urbano em relação aos necessitados, diante do luxo do templo que adentra, pensa "Era tudo tão belo. Deus bem que deveria gostar de todo aquele luxo".

Com a missão de buscar a família (mãe e irmão) começa a trabalhar e compra um quarto suburbano. Conhece seu homem, mas percebe que falta ambição e que, para muitos, o pão nosso de cada dia é o suficiente. Retorna para a sua casa, o barro chama, a saudade chama, quer sua família perto. Ambos passaram pelo saída do lar como ela fez anos antes. Ponciá não retorna mais a mesma depois dessa descoberta. Começou a passar todo o tempo com o pensar, com o recordar. Relembrava a vida passada, pensava no presente, mas não sonhava e nem inventava nada para o futuro. Voltou introspectiva e seu homem estranhou a ponto de agredi-la. 

Seu irmão, na cidade, queria ser soldado para ter voz de mando. Também teve a sua odisseia. sua mãe, seguia os conselhos da anciã do povoado e não se submetia a própria vontade de ter com os filhos. Mas, os três, viviam desesperados com o desejo do encontro. Cada personagem que passa pelos Vicêncios são marcados de profundas ausências e vazios, mas como resultados de pobreza, desamparo e sucessivas perdas. O passado e o presente se mesclam e tudo que o urbano ilude é apresentado de forma dolorida: a exploração da zona rural é a mesma na cidade. A herança do avô cobra a sua vez na vida de Ponciá, é preciso trilhar o destino. É preciso que haja o reencontro. Leitura visceral e de uma poética que nos encanta e faz refletir sobre caminhos de busca por identidade num ambiente marcado por desigualdades sociais. 

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Hibisco Roxo


 Último livro de 2020 do grupo virtual da Biblioteca Nacional de Brasília, Hibisco Roxo - Chimamanda Ngozi Adichie. 

Eu gostaria muito de afirmar que é apenas um enredo triste, que é algo que acontece apenas na Nigéria, mas infelizmente eu consigo refazer passos dentro do meu país, do microcosmo da minha vizinhança, do meu passado, de tudo que podemos chamar de raízes colonizadoras cristãs. Calma, não é um ataque ao Cristianismo, é, como disse a autora em outro momento, o perigo da história única. Da pregação do medo, do ódio, do julgamento divino, da regra, da doutrina em nome da religião. Isso explica tanta intolerância religiosa no nosso país. Estamos colonizados pelo fundamentalismo. 

A protagonista é Kambili, uma adolescente de classe média alta. Talvez esse seja o primeiro aspecto "diferente" para todos nós que temos a história única em relação a África. A personagem estuda em boa escola, é rica, e nada lhe falta. Em uma TED talk, a autora citou um relato sobre a autenticidade das suas personagens:

"O professor me disse que minhas personagens pareciam-se muito com ele, um homem educado de classe média. Minhas personagens dirigiam carros, elas não estavam famintas. Por isso, elas não eram autenticamente africanas."

Seu pai, Eugene, é um homem que possui certo poder local pelo seu capital, caridade e rigidez religiosa. Entremos então no contexto sem dar spoiler. O amor que os beneficiados sentem por Eugene, é diferente do amor que os filhos e esposa sentem por ele. Eles conhecem um outro lado violento, seja físico ou psicológico. Tudo em nome da religião. Religião essa que Kambili muitas vezes não se identifica, um Jesus loiro e se tratando da Nigéria, costumes que não aceitam as tradições dos seus ancestrais. Eugene não fala com seu próprio pai (que não é católico). 

Beatrice, esposa, submissa no limite do medo e aceitação, vê, assim como os filhos, que todo mal que Eugene faz, no fundo, é necessário. O perigo da história única. Eugene tem o poder financeiro e psicológico sobre a família. 

"É impossível falar sobre única história sem falar sobre poder. Há uma palavra, uma palavra da tribo Igbo, que eu lembro sempre que penso sobre as estruturas de poder do mundo, e a palavra é nkali. É um substantivo, que livremente se traduz: "ser maior do que o outro." (TED talk)

Mas esse poder não submete a sua irmã, Ifeoma. Professora universitária, viúva, mãe de três filhos, consegue conciliar a ancestralidade dos ritos nigerianos com as doutrinas católica e criar os seus filhos com a liberdade crítica de expressão, mesmo que passem necessidade financeira. Pois Eugene sempre tem propostas, desde que a conversão seja completa e submissa. 

Será nesse contato entre Kambili e seu irmão Jaja com a família de Ifeoma que a história única será descontruída. Além do florescer da adolescente do seu interno para o externo, do seu conflito emocional em relação ao padre Amadi e a sua prima Amaka, vemos o susto diante da liberdade, do conhecer a religião do outro e não ver nela nenhum pecado, em reconhecer seu potencial nessa cisão do ser. 

Bom, o que eu posso relatar é que não tem como passar despercebido nas entrelinhas o peso da herança colonizadora com a imposição da cultura europeia que nunca respeitou e nem respeita a tradição africana que até hoje luta por permanência. As sequelas que essa violência deixa nas personagens é a mesma que vemos quando o fanatismo, repressão, intolerância protagonizam pelo viés do poder. Que os dias ganhem cores de hibiscos. 



Chimamanda Ngozi Adichie (Enugu15 de setembro de 1977) é uma feminista e escritora nigeriana. Ela é reconhecida como uma das mais importantes jovens autoras anglófonas de sucesso, atraindo uma nova geração de leitores de literatura africana.


terça-feira, 24 de novembro de 2020

Notas do Subsolo


 

Tive o privilégio de ler Fiòdor Dostoiévski (1821-1881) em 2020. Primeiro, li O Duplo e agora Notas do Subsolo, publicado em 1864. Bom, de forma resumida, o escritor russo teve em sua vida uns altos e baixos. Prisão na Sibéria (acusado de conspirações contra o czar), viuvez da primeira esposa, perda do seu irmão (no mesmo ano da publicação do livro). Muitos escritores se inspiraram nele. 

O autor começou bem sua carreira após a publicação do seu livro Gente Pobre, mas levou um tempo para voltar aos louros literários da crítica russa. Notas do Subsolo faz parte desse período. Um ex-funcionário civil, 40 anos, em forma de monólogo, demonstra o anti-herói. O livro é dividido em duas partes "O subterrâneo" e "A propósito da neve derretida". 

Precursor do existencialismo, o homem do subsolo é um sofredor em busca de ser amado, e essa busca, o torna mau. Aqui seria o resumo do livro. Mas, por se tratar de Dostoiévski, não é o suficiente, pois sua escrita descreve a desorientação do homem diante de um mundo sem sentido e absurdo. 

"Sou um homem doente... um homem mau. Um homem desagradável. Creio que sofro do fígado".

Essa ambivalência envolve o leitor entre redenção e condenação do homem do subterrâneo. Ele não tem nada contra a medicina, mas não quer se tratar, é apenas raiva. Com muita lucidez, ele sabe que a única vítima do seu comportamento será ele mesmo. 

"Fui um funcionário maldoso, com prazer na maldade, em magoar"

"Nunca pude tornar-me mau"

A sociedade por ele descrita, é aquela que homens imbecis conseguem se tornar algo, enquanto os inteligentes, vivem à sombra dessa causa "natural" do funcionamento da sociedade. 

Contradição, autojustificativa e definições na primeira parte nos envolvem sem saber se há em nós amor ou ódio (quem sabe até semelhança). 

"O homem se vinga por que acredita que é justo"

"Penso que a melhor definição do homem seja: um bípedes ingrato"

O homem subterrâneo se sente escravo e covarde, é a sua condição "normal". Sente arrependimento, repulsa, acostuma-se a suportar tudo e refugia-se então no que fosse "belo e sublime". Vive de devaneios para suportar o subterrâneo. "Deixa-nos sozinhos, sem um livro, e imediatamente ficaremos confusos, vamos perder-nos"

"Eu sou sozinho, e eles são todos" Seria então a melhor definição da segunda parte do livro. 

Ficamos nos indagando qual o motivo dele precisar tomar certas atitudes e persegui-las a ponto de se mostrar imbecil para os demais. 

Confesso que, o momento de maior lucidez, foi o seu momento de embriaguez e quase, por um momento, acreditei em tudo que ele disse a Liz. (sem spoiler)

"Pois para a mulher é no amor que consiste toda a ressurreição; toda a salvação de qualquer desgraça e toda regeneração não podem ser reveladas de outro modo"

"Em primeiro lugar, eu não podia mais apaixonar-me, porque, repito, amar significava para mim tiranizar e dominar moralmente. Chego a pensar por vezes que o amor consiste justamente no direito que o objeto amado voluntariamente nos concede de exercer tirania sobre ele"

Sua consciência de subterrâneo também faz ele confessar que por falta de hábito não praticava a "viva a vida". Pessoas que "viva a vida" chegam a irritar e incomodar, e que, muitos subterrâneos, acostumados a entender a "viva vida" como um emprego, trabalho, rotina, estão entregues e distantes do "belo e sublime".

Sobre esse homem de práticas ruins e não compreendido:

"Cometi essa crueldade, ainda que intencionalmente, mas não com o coração, e sim com a minha cabeça má"

Sobre sofrer:

"O que é melhor, uma felicidade barata ou um sofrimento elevado?"

Sim, saímos da leitura sem julgamento. É um grande começo. 

terça-feira, 10 de novembro de 2020

A Imensidão Íntima dos Carneiro


 

Não lembro quem me indicou. Saí perguntando para os meus amigos e ninguém conhecia. Pedi pela estante skoob e dei dois créditos nele. Então, me prontifiquei a lê-lo antes dos demais da fila. 

Bom, suponhamos que eu não conheça a minha avó, mas carregue em mim uma herança familiar e por ser pesada demais, preciso refazer seus passos e conhecer o início de tudo. 

Assim é a obra A imensidão Íntima dos Carneiros do escritor brasileiro Marcelo Maluf. Os eventos citados não são leves, mas a maneira de escrevê-los é poética. Confesso que tive que voltar algumas vezes para compreender a quem pertencia as lembranças. O escritor mescla realismo fantástico, símbolos e sentimentos familiares na possibilidade que a oralidade permite. 

Marcelo perpassa por três gerações (avô, pai, filho) e investiga o passado, tendo a liberdade de reinventar e recriar o enredo familiar por meio da literatura. 

Das montanhas do Zahle, da Guerra Civil do Líbano, das barbáries sofridas por sua família, da infância em Santa Bárbara do Oeste, as vozes do neto e do avô se misturam. Marcelo precisa se libertar da herança familiar, pois:

"O medo estava no princípio de tudo".


terça-feira, 20 de outubro de 2020

Cultura Letrada: Literatura e Leitura

 



Acho o assunto muito pertinente. É um livro fino, mas o seu conteúdo e a possibilidade de reflexão valem muito a pena. Bom, no término do século XX, a imprensa começou a se dedicar nas escolhas dos melhores representantes dos anos mil e novecentos em diversas categorias. Eleições dos melhores romances e autores de ficção (mundial e brasileiro) foram promovidas. Nem preciso informar que desde então surgiu duas classes de literatura: a popular e a erudita. A escola ensina a ler e a gostar da literatura, entretanto o que quase todos aprendem é o que devem dizer sobre determinados livros e autores, independentemente de seu verdadeiro gosto pessoal. 

Para que uma obra seja considerada Grande Literatura ela precisa ser declarada literária pelas chamadas "instâncias de legitimação". Universidades, jornais, revistas especializadas, livros didáticos... Assim, o que torna um texto literário não são as suas características internas, e sim o espaço que lhe é destinado pela crítica. O prestígio social dos intelectuais encarregados de definir Literatura faz que suas ideias e seu gosto sejam tidos não como uma opinião, mas como a única verdade, como um padrão a ser seguido. 

Infelizmente, a escola tende a aproximar-se da opinião dos intelectuais e esquecer (ou estigmatizar) o gosto das pessoas comuns. Obras não eruditas são avaliadas como imperfeitas e inferiores, quando na verdade são apenas diferentes. Podemos sim, nas escolas, ler os livros preferidos pelos alunos e discuti-los em classe. Podemos comparar com texto eruditos para entender e analisar como diferentes grupos culturais lidam e lidaram com questões semelhantes ao longo do tempo. 

quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Angústia Graciliano Ramos

 

Luís da Silva, 35 anos, neto de Trajano Pereira de Aquino Cavalcante e Silva, funcionário público em um jornal, residente de um subúrbio em Maceió na década de 30. Dos vários personagens, que valem várias resenhas, a ênfase do livro está em suas recordações:

"Há nas minhas recordações estranhos hiatos"

Seria suas angústias os hiatos de suas recordações ou suas recordações os hiatos de suas angústias?

O que sabemos é que o início e o fim do romance dão-se com o estado profundo de angústia que domina o Sr. Luís da Silva. A sua capacidade de consciência vai engendrando matematicamente passado e presente, construindo com a memória o seu futuro crime. 

Daqueles que o cercam, um constante sentimento de desconforto e deslocamento:

"Insuportável!" (Diante dos desfavorecidos)

"Não podemos ser amigos!" (Diante dos mais abastados)

Homem introvertido que luta para ter a "dignidade dos bípedes" torna-se revoltado contra tudo e todos à medida que a memória incumbe-se de selecionar suas lembranças. 

"Tão bom José Baía! Ninguém falava alto, ninguém lhe mostrava a cara feia".

Essa insistência da memória em crimes e criminosos soma-se a uma notável influência psíquica que transforma sua inércia em brutalidade. Ato que não correspondeu à expectativa, visto a continuação do círculo vicioso da angústia existencial. 

domingo, 13 de setembro de 2020

O Alienista - Machado de Assis Parte I


Para dar início (depois de tanto tempo) a essa postagem, justifico que inseri essa imagem por achar intrigante a inclusão do autorretrato do artista francês Gustave Coubert. Possível conciliar seu estilo artístico realista, sem esquecer que ele foi contra a pintura literária, vinda da imaginação ou dos sonhos. O nome da obra é "Desespero". Enfim. Vida que segue. Só um adendo. 

Sobre a obra machadiana O Alienista (médico que tratava os alienados da época) não quero ser repetitiva sobre tudo que há no mundo virtual sobre o tema. Estou trabalhando Machado no artigo da minha Pós e me interessei por um curso que aborda Literatura e Loucura. Semana passada foi o Médico e o Monstro. Enfim. Vida que segue. 

O Alienista é um conto para a maioria e uma novela pela sua estrutura narrativa. Informação repetitiva sobre a obra. Publicado em 1882, eu acho. Não podemos esquecer o plano de fundo histórico da literatura machadiana sobre a sociedade do século XIX. Nem deixar passar batido sua  representação de costumes e transformações que ele vivenciou. Seu estilo é repleto de humor e crítica. 

Simão Bacamarte, médico que estudou em Universidades europeias importantes e de renome, não aceita propostas de regências e tal. Volta para Itaguaí, sua cidade natal no Brasil. A Medicina é a sua causa maior. Aí está a chave principal machadiana da obra. Uma elevação exagerada da forma que o médico se enxerga e a forma como exalta a Medicina. No período em questão fervilhavam as teorias científicas, principalmente o empirismo positivista. Não são raras as frases:

"Homem de Ciência, e só de Ciência, nada o consternava fora da Ciência"

"Imagem vivaz do gênio"

"Raro espírito que era"

Até mesmo a escolha da esposa, D. Evarista, demonstra a exaltação em questão, ele não importa com a beleza. Segundo a Ciência, as condições fisiológicas e anatômicas eram suficientes para dar-lhe filhos robustos, sãos e inteligentes. Não aconteceu. Após um vasto estudo sobre as causas e curas da infertilidade da "mulher" e a desistência do tema, começa a Odisseia de Simão em estudar na prática a  patologia cerebral. Isso pode ser um sintoma do final do conto (sem spoiler). O começo da sua empreitada. Aliás, a todo momento percebo que Bacamarte é perfeito aos olhos alheios, mas, para os olhos machadianos, há apontamentos interessantes de perceber no desenrolar do enredo. 

Bom, a Igreja está presente, claro. Seja sem o entendimento, "confessou desconhecer a existência de tantos doidos no mundo" (Padre Lopes); com as explicações bíblicas, "quanto a mim, só se pode explicar...segundo nos conta a Escritura"; ou pela crítica "isso de estudar sempre, sempre, isto não é bom, vira o juízo".Lembrando que a Igreja cuidava em sua grande maioria das caridades aos "dementes" da época. Quando não, a própria família trancava em uma alcova, na própria casa até a morte. 

Dementes. Qual seria a medida de Bacamarte para incluir na Casa de Orates/Casa Verde os seus estudos empíricos? Tudo aquilo que era considerado fora do padrão social da época. Sem querer descrever a história da Loucura, vou citar casos como: furiosos, mansos, monomaníacos, loucos por amor, delirantes, alucinados, todos aqueles considerados mentecaptos para o médico. Com a fusão de tratamentos medievais (sanguessugas) e tratamentos (modernos) paliativos, medicamentosos e influências estrangeiras (literatura árabe e lusitana), ele buscar a causa e a cura. 

Igreja, política, ciência, sociedade tudo na linha tênue entre loucura e sanidade. Se antes, comportamentos excêntricos e até pobreza eram diagnosticados como loucura, agora a presença de bons costumes é a causa máxima a ser estudada na Casa Verde. Como permanecer moral, piedoso, benevolente, honesto, ... em uma sociedade corrupta e corruptível? (atemporal). 


Muito a dialogar sobre o tema. Por ora, apenas uma degustação. 


 

domingo, 26 de abril de 2020

O Poço (Netflix)


No filme, acompanhamos Goreng (Ivan Massagué), que acorda numa prisão vertical ao lado do companheiro de cela, Trimagasi (Zorion Eguileor). Nessa prisão, a comida é distribuída de cima para baixo. Quem está nos andares de cima come à vontade. Todo o filme, principalmente seu final inusitado e muito aberto, deixou muitas interrogações. Indico muito!