sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Teodora - a Imperatriz de Bizâncio

 Livro do historiador francês, Francis Fèvre, com várias citações de Procópio de Cesareia, não muito simpático em relação a personagem que trata o livro. Em 324 d. C o centro administrativo romano é dividido em dois: Oriental e Ocidental. Com as inúmeras invasões bárbaras, a parte Ocidental não suporta e cai. De forma bem resumida o autor entra no reinado de Anastácio que teve início em 491. Descreve bem a localização, geografia e detalhes de Constantinopla.  Século VI, Constantinopla resiste às invasões bárbaras no Império do Oriente (centro administrativo desde 324 d.C por Constantino). Após algumas situações por causa do trono como herança, o casamento de Anastácio e Ariadne. O reinado de Anastácio remonta a paz de volta às fronteiras. Ótima descrição da cidade, povos, portos... do reinado romano sem Roma. 
O Hipódromo fazia parte dos últimos pavilhões do Palácio Sagrado, onde 30 mil espectadores assistiam jogos, desfiles de bárbaros capturados e principalmente a corrida de cavalos. A corrida de cavalos era dividida em duas facções, a Azul (aristocracia vizinha do Palácio Sagrado e sua clientela) e a Verde (oposição financiada pelos comerciantes) e ambas financiavam centros de treinamentos para cocheiros e cavalos. Acácio era empregado da facção verde, mas após sua morte, sua esposa e três filhas (Comito, Teodora e Anastácia) tiveram que se humilhar no Hipódromo, recebendo emprego da facção Azul. Comito e Teodora (futura imperatriz) tornaram-se atrizes cômicas de rua, sendo que a última sabia utilizar da beleza e magnetismo próprio para conseguir o que queria. 
Teodora quando adolescente se utilizava da sua beleza e talento para ascender do círculo de mímicos e atores. Começou a participar das festas da aristocracia de Constantinopla recheadas de lascívia e luxúria. Apesar do peso do Cristianismo a cidade é aberta à permissividade e luxúria.Em sua estadia no Egito, Teodora teve contato com os monges do desertos e com os teólogos de Alexandria. Em 519 viaja para Ásia Menor, sustentado-se à princípio com a prostituição barata. Integra-se posteriormente à clientela dos Azuis no Hipódromo em Antioquia, se tornando cortesã do clã aristocrático. Um amiga cortesã, Macedônia, recomenda Teodora a Justiniano, sobrinho do novo imperador, Justino. Em 520 Teodora retorna à Constantinopla, após três anos de exílio, como fiandeira de lã. Mas, logo se estabelece na facção dos Azuis, tornando-se amante de Justiniano, seu futuro marido e imperador. 
Justino sobe ao trono aos 76 anos. Camponês da Ilíria e chefe dos excubitores (guarda mais próxima do imperador) enfrenta a guarda oficial do ouro na arena do Hipódromo. Ao vencer, torna sua esposa Lupicínia, uma escrava comprada por ele, imperatriz de Constantinopla. Lupicínia troca seu nome bárbaro por Eufêmia, aceitável nos anais do império. Justino conta com seus dois sobrinhos, Germano e Flavius Petrus Sabbatius, rebatizado posteriormente com o nome de Justiniano. É durante o reinado de Justino e Eufêmia que Teodora volta a sua cidade e ao encontrar Justiniano, vê-se imediatamente colocada no centro das intrigas e do poder imperial. 
Justiniano tinha 40 anos quando conheceu Teodora. Era um homem rude, porém letrado e com sólida cultura. Desde o mês de julho de 518, Justino e seu sobrinho apressaram-se em restabelecer o cristianismo ortodoxo, fiel aos ensinamentos do papado romano. No mesmo ano a situação ficou sob controle, no entanto, Justiniano aniquilou seus inimigos e possíveis adversários ao futuro trono. Se tornou respeitado pela Igreja por sua devoção e sua submissão aos dogmas e endeusado por uma aristocracia medrosa. Sentido-se ameaçado por Vitalino, ex-pretendente ao trono vencido por Justino e atual chefe do exército terrestre, Justiniano assassinara esse e seu Estado maior em um banquete, substituindo-o no cargo. 
No início, o povo de Constantinopla surpreendeu-se ao ver Justiniano em companhia de uma cortesão. Em 521, Justiniano recebe o título de cônsul, devendo promover ao povo as festividades mais esplendorosas, o que de fato fez. Justiniano tem uma dupla personalidade e Teodora soube discernir bem essa característica e torná-lo dependente dela. Ambos têm ambição de ouro e honrarias. Em dois anos Teodora soube impor-se a toda a corte e Justiniano ouve seus conselhos. O casal já reinava na capital imperial. 
O imperador Justino teme a sombra do perigo bárbaro. Sua baixa origem é motivo de zombaria, levando em conta que sua carreira não o preparou para a dignidade imperial. Justiniano, ajudado por Teodora, aproveita essa carência de poder para organizar seu domínio sobre Constantinopla e sobre o império. Em 518 filiou-se à facção dos Azuis e esse ato torna os membros brutais e impunes. As ruas agora não pertencem mais aos soldados do imperador, mas aos bandos da facção Azul. Infeliz daquele que falar mal do passado de Teodora. 
Teodora recebe o título de nobilíssima; Justino anula a lei que impedia o casamento de Justiniano e Teodora. O casamento acontece após três anos de concubinato. O reinado de Justiniano pode ser apresentado com a reconstituição do império romano, reconquistou províncias perdidas no Ocidente; reformas políticas, legislativas (Código de Justiniano), administrativa e perseguição ao monofisismo. Na revolta de Niká (532) ele quase perdeu o trono, porém com a insistência de Teodora (que praticamente governava junto), conseguiu vencer. 
O casal não teve descendentes, mesmo Teodora tendo um filho e sofrido alguns abortos antes do casamento. O livro demonstra muitas intrigas na corte, aponta uma mulher caprichosa, perigosa, e sem limites nos seus atos para conseguir o que queria. Para o período, uma mulher intrigante.Indico. 

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Meditações para Maltrapilhos




Esse livro chegou no momento certo na minha vida. É um apanhado de textos retirados de conferências, palestras, devocionais e alguns livros do autor Brennan Manning (Richard Francis Xavier). Abro um parêntese para também indicar dele as obras: A assinatura de Jesus, O impostor que vive em mim, Colcha de retalho e o seu livro mais conhecido, O Evangelho maltrapilho. Meditações para maltrapilhos é um devocionário, mas eu não segui uma leitura por dia, e acrescento que é o tipo de livro que você pode reler sempre. 

Sem reservas, fala sobre a prontidão do autor em viver o martírio por Cristo, que não seria necessariamente morrer, mas para viver para Ele um dia de cada vez. Além dos seus textos, ele também cita várias frases de outros, o que só acrescenta o nosso devocional.

Santo não é aquele que é bom, mas o que experimenta a bondade de Deus. Thomas Merton

Por que devemos nos portar como Atlas cristãos, carregando o mundo inteiro sobre os ombros, tentando merecer o amor de Deus? (Eu a amei com amor eterno, com amor leal a atraí. Jeremias 31:3). Fé, significa desejar mais intimidade com Jesus Cristo. Se é para nossa fé ser criticada, que seja pelas razões corretas. 

Jesus não pediu que confiássemos em Deus, ele ordenou. Achamos, no entanto, que a confiança amenizará a confusão, amortecerá a dor, remirá os tempos. Hebreus 11 testifica que não é assim. Nossa confiança não ameniza o caos. Quando tudo o mais é impreciso, o âmago da confiança diz: Nas tuas mãos entrego o meu espírito. 

O maior obstáculo na vida de oração foram as expectativas (Padre Frank Miles)

A cruz é tanto um símbolo da nossa salvação quanto o padrão para a nossa vida.

Talvez por isso que as únicas quatro vezes que "seja feito a tua vontade" ocorre no Novo Testamento são no contexto de martírio. Quanto mais velho eu fico, mas percebo a verdade do adágio: "É mais fácil morrer por Cristo que viver para Ele".

A cruz de Jesus sempre permanecerá um escândalo e uma tolice para discípulos exigentes que buscam um salvador triunfante e um evangelho da prosperidade.

A vida de um cristão não é a imitação de um herói morto.

O Deus do cristão legalista, por outro lado, é com frequência imprevisível, errático e capaz de toda sorte de preconceito.

Você não compreende que discipulado não significa estar certo, ser perfeito ou eficiente? Diz respeito à maneira que as pessoas vivem umas com as outras

E a reação divina de surpresa, naturalmente, é que amar-nos liberta-nos para amar o outro.         

O queijo e os vermes


Pesquisando em 1962 sobre os julgamentos de uma estranha seita de Friuli, o autor Carlo Ginzburg, encontrou uma sentença curiosa. O réu, Menocchio, sustentava que o mundo tinha sua origem na putrefação. O livro, O queijo e os vermes, narra sobre sua história apoiado em farta documentação. Mas, a intenção não é apenas biográfica, também tenta analisar a cultura camponesa da Europa pré-industrial, numa era marcada pela difusão da imprensa e a Reforma Protestante (bem como a repressão a esta última nos países católicos). O livro também é o estudo da cultura imposta às classes populares e não apenas a apresentação da cultura produzida pelas classes populares.

Chamava-se Domenico Sandella, conhecido por Menocchio. Nascido em 1532, em Montereale, foi casado e pai de sete filhos. Segundo afirmou a um padre era carpinteiro, marceneiro, pedreiro, mas sua principal profissão era moleiro. Se vestia como tal, capa e capuz de lã branca. Foi magistrado da aldeia e administrador da paróquia local. Sabia ler, escrever e somar. Em 28 de setembro de 1583 foi denunciado ao Santo Ofício, sob a acusação de ter pronunciado palavras heréticas. De fato ele debatia sua opinião em praças e tabernas. Para alguns, seu debate se assemelhava às opiniões de Lutero. O clero era hostil a ele, e esse fato era explicado, pois Menocchio não reconhecia na hierarquia eclesiástica, nenhuma autoridade especial. Para ele, Deus estava em tudo e Maria após o nascimento de Jesus, não permaneceu mais virgem. Tinha uma Bíblia em vulgar em sua casa, livro proibido pela Igreja. Se apresentou à convocação do tribunal eclesiástico, mas no dia seguinte foi levado ao cárcere do Santo Ofício de Concórdia. Em 07 de fevereiro de 1584 foi submetido a um primeiro interrogatório.

Durante o inquérito preliminar, diante das estranhas opiniões referidas pelas testemunhas, o vigário-geral perguntara se Menocchio era sã de mente. Esse afirmou que sim, que estava dentro da sua razão. Um dos seus filhos ainda tentou espalhar o boato pela cidade que o pai era louco, mas o vigário deu continuidade ao processo mesmo assim. Se fosse hoje, Menocchio seria sim considerado um lunático religioso, mas em plena Contra-Reforma, as modalidades de exclusão eram outras, a identificação e a repressão da heresia. No caso de Menocchio em especial, havia um apanhado de ideias subversivas, inclusive sua cosmogonia: "que tudo era um caos, terra, ar, água e fogo juntos, e de todo movimento junto se formou uma massa, do mesmo modo como o queijo é feito do leite, e do qual surgem os vermes, e esses foram os anjos...

Por volta do fim de abril, os priores venezianos convidaram o inquisidor de Aquileia e Concordia, a agir de acordo com os hábitos vigentes nos territórios da República, que impunham, nas causas do Santo Ofício, a presença de um magistrado secular ao lado dos juízes eclesiásticos. O conflitos entre os dois poderes era tradicional. No passado, Menoccho tinha dito estar pronto e desejoso de declarar suas opiniões às autoridades e seculares. Incentivado a falar, Menocchio abandonou qualquer reticências e: denunciou a opressão dos ricos contra os pobres através do uso do latim nos tribunais; achava que na lei vigente o papa, os cardeais, os padres eram grandes e ricos e que esses arruinavam os pobres arrendando terras; recusava todos os sacramentos por serem invenções humanas, mercadorias, instrumentos de exploração e opressão por parte do clero; a hóstia era apenas um pedaço de massa; que a Sagrada Escritura tinha sido dada por Deus, mas, em seguida, foi adaptada pelos homens; que a santidade era um modelo de vida; criticou as relíquias ... implorou a piedade aos inquisidores, mas na verdade o processo estava longe de terminar. Dias depois desejavam ouvi-lo novamente.

O livro também relata sobre Friuli da segunda metade do século XVI: uma sociedade arcaica e ainda dominada pelas grandes famílias da nobreza feudal. Essas famílias estavam em dois partidos, a favor ou contra Veneza, que começou a dominar em 1420. Essa disputa política iniciou um violento conflito de classes, e em várias localidades do Friuli os camponeses faziam reuniões secretas. Após a efêmera revolta camponesa de 1511, acentuou-se a tendência veneziana de apoiar os camponeses do Friuli contra a nobreza feudal. Entre meados do século XVI e meados do XVII, ou por causa das frequentes epidemias ou pela intensificação da imigração, a população total do Friuli diminuiu. Veneza estava decadente e a economia friulana já se encontrava em estado de avançada desagregação.

O movimento anabatista, depois de ter se alastrado por grande parte da Itália foi desmantelado na segunda metade do século XVI pela perseguição religiosa e política. De forma geral negavam as imagens sacras, as cerimônias, os sacramentos, negavam a divindade de Cristo, insistiam na adesão à uma religião prática baseada nas obras, pobreza versus a pompa da Igreja. A princípio poderíamos vincular as ideias de Menocchio aos anabatistas, mas entre outras coisas, ele discordava que a inspiração divina viesse apenas apenas do Evangelho. Para Menocchio, entretanto, a inspiração poderia vir de livros os mais variados: tanto do Fioretto della Bibbia quanto de Decameron.

Parece que Menocchio afirmava manter contatos com grupos luteranos, mas quando o inquisidor perguntou-lhe sobre o seu entendimento pela justificação, ele não compreendeu a pergunta. Após a explicação, Menocchio negou e afirmou "se alguém pecou, é preciso fazer penitência". O mesmo ocorreu com o termo predestinação, que após explicação ele disse não acreditar que Deus predestinava alguém à vida eterna. Justificação e predestinação, os dois temas sobre os quais a discussão religiosa na Itália se acirrava no período da Reforma, que não significavam nada para o moleiro. Mesmo com a profunda separação da Itália entre cidade e campo, o último não ignorava por inteiro as formas de inquietação religiosa. Por trás dessas discussões contemporâneas percebe-se a presença maciça de tradições diversas. A reforma rompendo com a crosta da unidade religiosa, trouxe à tona, de forma indireta o substrato de tais tradições. Assim sendo, não é possível remeter as afirmações de tom radical feitas por Menocchio ao anabatismo e nem a um genérico luteranismo. Talvez elas faziam parte de um novo autônomo de radicalismo camponês que o tumulto da Reforma contribuíra para que emergisse.

A obra contém muitas citações dos livros aos quais Menocchio teve contato e o contexto histórico que os autores estavam inseridos. De forma geral, percebe-se a cultura popular misturada com o conhecimento cristão, e a Inquisição que usou do tribunal para aniquilar qualquer coisa que não coincidisse com os ensinamentos da Igreja. Indico.      

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Orange is the new black




Confesso que fui levada pelo modismo da Série que já está na terceira temporada, ainda que eu esteja ancorada na primeira. Quando soube que havia o livro, decidi lê-lo e depois continuar a série da Netflix. Nem precisa dizer o motivo, minha paixão é literária. 

Piper Kerman conta sua história e de outras presas. De forma resumida, pois não vou dar spoiler, posso dizer que o livro humaniza as detentas, e a série traz entretenimento a quem assiste. Indico os dois. 

"A ausência de empatia está no cerne de qualquer crime"; 

" O público espera que as sentenças sejam punitivas, mas também reabilitadoras. No entanto, o que esperamos e o que obtemos de nossas prisões são coisas completamente diferentes"; 

"Às vezes, parece que construímos portas giratórias entre nossas comunidades mais pobres e as instituições penais e criamos incentivos financeiros perversos para manter as prisões cheias, à custa dos contribuintes".

As veias abertas da América Latina


Eduardo Galeano (03/09/1940-13/04/2015), aos 73 anos na Bienal ano passado aqui em Brasília, afirmou que não leria novamente a sua obra “As veias abertas da América Latina”. Afirmou que não tinha formação necessária na época que escreveu, e que desmaiaria se tivesse que escrever novamente. Não que houvesse arrependimento da sua parte. Também relatou que, existiram experiências de partidos políticos de esquerda que deram certo, e foram perseguidos por isso, assim como houveram partidos políticos de esquerda que agiram errados, se tornando opressores. Claro que isso já desestimula, mas eu afirmo que é importante a leitura, pois trata-se de um relato da exploração econômica e dominação política que sofreram os países da América Latina.

O livro foi escrito em 1970 e atualizado em 1977, vai desde a espoliação europeia, chamada de as grandes navegações, até a contextualização da Guerra Fria (e início dos regimes ditatoriais). A obra demonstra como os modos de produção e a estrutura de classe foram (e têm sido) determinados de fora. Veias abertas, afinal, pois desde o descobrimento, tudo se transformou em capital europeu, ou mais tarde, norte-americano. Não deixa de ser uma demonstração de como o subdesenvolvimento latino-americano foi uma consequência do desenvolvimento alheio, e que nossas matérias-primas nos trouxeram maldição, principalmente quando a nação exploratória achou como aliados, inimigos da nação explorada. Leia-se governos ditatoriais, classe burguesa...

Eduardo também relacionou tentativas de reformas pelos governos derrubados com a resposta truculenta de ditadores apoiados ou não pelos privilegiados que se sentiram ameaçados “Creio que sempre existe uma relação íntima entre a intensidade da ameaça e a brutalidade da resposta”. De modo geral, coloca a América Latina como participativa da engrenagem universal do capitalismo, beneficiando o desenvolvimento da metrópole/multinacional estrangeira do momento e ao mesmo tempo mantendo-se dependente e devedor. Sem contar que dentro da própria América Latina, o mesmo aconteceu com países menores, tendo suas fontes internas de víveres e mão-de-obra explorados pelos vizinhos maiores.

Claro que é um pouco cansativo pelo excesso de informações, mas ainda que muitos o rotulem como um livro que justifica seu presente se fazendo de vítima, ele não nega dados históricos, isso por si só, justifica sua importância. Indico.

Com o passar dos tempos, vão se aperfeiçoando os métodos de exportação das crises”

“Em tempos difíceis, a democracia transforma-se em crime contra a segurança nacional, ou melhor, contra a segurança dos privilégios internos e os investimentos estrangeiros”.