terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Texto V - Memórias Póstumas de uma Paixão


 Segue abaixo (I-V) alguns textos escritos sobre paixões, pessoas e o luto da paixão. A maioria dos relatos foram vividos por mim e por pessoas próximas ou distantes. O título seria "Memórias Póstumas de uma Paixão", mas não lembro bem o motivo porque não levei a sério. São apenas alguns textos, os outros estão sem digitar, quem sabe um dia. Sei lá.


Texto V – Noite e dia ... dia e noite.

A noite (depois de várias noites):
Se olhou no espelho... Percebeu que o brilho dos seus olhos estava ali novamente. Sorriu pra si mesma. Foi um sorriso travesso.
Analisou tudo que aconteceu e sussurrou a si mesma:
"Se hoje doe menos, com certeza amanhã pode não doer mais."
Esperou as lágrimas, mas elas não vieram.
Se olhou novamente. Gostou da imagem que ali refletia. Prendeu seus fartos e longos cachos. Ao deitar-se em sua cama sussurrou novamente:
"E para esse não doer mais, batizo de esquecimento".
Antes de dormir, entregou-se a Deus em oração até adormecer. Sua alma já estava há tempos de joelho, por isso hoje doe menos e amanhã não vai doer mais.

O dia (depois de vários dias):
Os cachos fartos e longos, totalmente desalinhados.
O rosto inchado.
O humor atacado ... ... ... sempre até às dez.
Mas ...
Aprecia sua imagem diante do espelho.
E afirma dentro de si:
"consigo ser bela ao acordar e ao dormir".
O canto dos pássaros em contraste com o canto de morte das cigarras.
Uma sinfonia em harmonia para me dar um belo bom-dia.
Os deveres seculares, a profissão e tudo que tem que dar de si.
Executa tudo com maestria, és excelente no que faz.
Ao chegar em casa percebe que o dia passou
e de sobressalto indaga:
Havia em mim alguma dor?
Memórias póstumas de uma paixão ou o aborto de um amor?

Fevereiro/2011 Sally Barroso 



Texto IV - Memórias Póstumas de uma Paixão


Texto IV – Volto pra miséria mas volto para o meu amor

Ela era a terceira filha, para tristeza daquele pai nordestino que desejava um filho macho que continuasse a sua geração, os Bastos. Seu pai um trabalhador, permanecia ausente o dia inteiro. A mãe, nunca viu pessoalmente e o que sabe dela são os relatos de terceiros sobre suas proezas sexuais. A madrasta, uma neurótica psicopata que tinha um desejo visceral em bater, dominar, controlar e humilhar. Seu nome, Carolina qualquer coisa de Bastos. 

Começou a vida sexual cedo e confundia amor com orgasmo. Achava que amar era sentir aquela sensação inexplicável e rápida. Então amava apenas na cama. Não entendia por que bebia e perdia o controle, pareciam dois corpos em um só. Tentou tirar aquele encosto na igreja, não foi possível, não tinha o dinheiro para pagar o descarrego. Sumiu para o sertão e após muita fome e miséria resolveu entrar em contato com seus parentes distantes. 

Quanta alegria rever aquela prima tão sumida e tadinha, a bichinha estava tão magra. Sem estudos? Sem documentos? Doente? Toda a família resolveu ajudar. Compraram móveis, arrumaram colégio, emprego, roupas, documentos, remédios, afinal, era uma coleção de doenças naquele corpo frágil e sofrido. A oportunidade para um novo começo. 

Carolina qualquer coisa de Bastos, deixou a família confusa, pois só chorava. Um dia ela resolveu finalmente contar que foi mulher de vários bandidos, apanhou que nem uma coitada, mas finalmente se sentia amada e aquele choro era de saudade de Gumercindo. Disse que era um rapaz trabalhador, que pedia que ela fumasse menos, que nunca bateu nela e que falava para ela calçar os chinelos. 

Todos se comoveram, até o desconfiado patriarca decidiu emprego arrumar para aquele homem tão bom, o genro encantado. Carolina qualquer coisa de Bastos, tomou fôlego, panfletou, catou latas e lixos, e mandou uma parte do dinheiro para que Gumercindo pudesse viajar para perto da amada e lutar por uma vida melhor. O dinheiro foi, mas o homem nada de chegar. 

Carolina qualquer coisa de Bastos, era um sofrimento só, quando finalmente a notícia chegou, Gumercindo seu amado, já estava com outra enamorado. Tem certeza? Aquele moço tão bom? Mas olha mulher, dá a volta por cima, não se entrega não, era o que a família aconselhava. Carolina qualquer coisa de Bastos, não suportou a dor e para o sertão e à miséria retornou e não se sabe como isso acabou. 
Fevereiro/2011 Sally Barroso 
Esboço de um livro que teria por título "Memórias Póstumas de uma Paixão" (sobre mim, sobre pessoas, sobre paixões)

Texto III - Memórias Póstumas de uma Paixão


Texto III – Por favor, não insista!

Luciana olhou para o céu nublado, suspirou e pensou: essa situação de novo!? Pablo parecia um cara ótimo, carinhoso, tinha um bom papo e o melhor, sabia dançar. Era muito insistente, queria sair em plena terça, quinta, segunda, queria vê-la de qualquer jeito. Ela dava desculpas, ficava off-line e ele prometia que não ia mais importunar. Ela até lhe deu um beijo, para ver se sentiria algo que a motivasse a tentar. 
Não conseguia sentir nada, mesmo sabendo que ele era um bom partido. Talvez até fosse a pessoa certa, mas na hora errada. O fato era que ele não a teria, pelas feridas que ela possuía naquele momento e pela incapacidade de brincar com os sentimentos das pessoas. 
Tinha receio de estar abrindo mão da felicidade, mas o medo de estar repetindo a mesma história era muito maior. Era sempre assim, de forma cíclica. A paixão não dava certo, o fim era trágico e nesse meio tempo entre se conformar e prosseguir aparecia alguém. Ela contava o relato do relacionamento, os motivos do fim, na ilusão que ele não fizesse o mesmo. Mal sabendo que aquela atenção que mais parecia interesse ingênuo, era a captação de suas fraquezas para atingir seu tendão de Aquiles se necessário. 
Então Luciana anestesiava a dor passada, se sentia curada e mais uma vez se entregava. Mas, antes disso o medo da dor a fazia tentar não prosseguir, obter a certeza de que aquele ser teria a paciência necessária para compreender aqueles sintomas comportamentais de um coração que ainda se contorcia em dor. Ele insistia, dizia que compreendia, pedia uma chance para fazê-la esquecer a dor e a enchia de mimos e momentos felizes.
Quando finalmente resolvia enfrentar os medos e prosseguir, quando já estava apaixonada, ele a abandonava. Usava seus defeitos, dores, fingia sofrimento e apenas se afastava. Não atendia aos telefonemas, não enviava respostas às suas trinta mensagens virtuais, dizia aos seus amigos em comum estar sofrendo muito com a sua indecisão e que estava apenas abrindo mão da mulher amada para que ela descubra se o que sente é amor. Um lord.
 
Luciana podia até culpar aquele homem tão dedicado, carinhoso, bondoso, atencioso e que lindo, um ótimo cozinheiro. Mas ele era perfeito, ela que era a culpada pelo desperdício da oportunidade de finalmente ser feliz. Agora, sozinha e sofrendo, ficava se remoendo, culpando seus medos e sua infantilidade. Humilhava-se, implorava, dizia estar disposta a se satisfazer com restos e sobras, pagar preços altos e fazer sacrifícios, mas ele apenas fingia estar muito magoado. 
Aquela linda moça ruiva, de pernas bem torneadas, sorriso iluminado, inteligência ímpar, capacidade única, se sentia um lixo. O tempo passava, e no momento entre se conformar e prosseguir aparecia alguém. Tudo do mesmo jeito, só mudava a raça, a religião, a nacionalidade, o estado financeiro e intelectual, mas a situação era a mesma. Quando menos esperava, a fofoca chegava ao seu ouvido, aquele ser que a deixou com a culpa do fim, já tinha há tempos outro alguém, estava muito feliz em Babylon e você com um mosaico de culpas para lidar. 
E começava tudo de novo com a característica única que sempre tinha alguém disposto a insistir. Luciana olhou para o cinza do céu, um belo nublado e suspirou. Lamento Pablo, mas não vai ser possível, por favor, não me ligue mais, não insista mais e compreenda se for capaz. Decidida a se enfrentar e permanecer nesse ostracismo voluntário, decidiu não se entregar mais à chuva, depois de uma pneumonia mal curada. E foi nesse momento que começou a perceber que precisava mesmo era se amar para ser amada. 

Fevereiro/2011 Sally Barroso 
Esboço de um livro que teria por título "Memórias Póstumas de uma Paixão" (sobre mim, sobre pessoas, sobre paixões)

Texto II - Memórias Póstumas de uma Paixão


Texto II – Malditas lembranças


Cínthia sabia que estava apegada apenas às lembranças e nem tanto ao homem com quem compartilhou vários momentos felizes. Estava presa às sensações que sentiu, as risadas, os passeios, o sexo, o gemido, o mar, ela sabia. Sabia também que aquele homem, nem a faria no mínimo satisfeita, em uma relação baseada em convivência, relacionamento e compromisso. 
Aliás, nem nome ele dava aos relacionamentos, pois ele gostava de viver momentos e ela não tinha sido domesticada para isso, ela queria pagar sim um alto preço para ter esses momentos ao lado daquele ser que não tinha nada a ver com ela, mas precisava de segurança pra isso. 
Não obtendo e sendo vítima daquele comportamento sutil e masculino que ao desejar abandonar se faz abandonado, deixou-a no vácuo, cheia de dúvidas e culpas. Sim, sim! Ele mentiu, culpa dele. Você se iludiu, culpa sua. O fogo da paixão não deixou você perceber nada com clareza, mas em um dado momento a razão te fez pressão e você optou em parar de se humilhar. E o que restou? As malditas lembranças. 
Esses momentos, em forma de lembranças que confundem e fazem Cínthia, Maria, Josefa, Grace idealizar, desejar um retorno de novela, um telefonema, um e-mail, uma pitada de ódio. Mas, nada acontece e para pior a situação, o tempo se torna lento e eterno. Só restou uma herança, um pacote com as malditas lembranças. Pra que servem afinal?
            Seria uma forma de não deixar morrer a sensação momentânea de felicidade que sentiu? Um ataque das paixões que militam contra sua alma e a tornam cativa? Talvez porque lembramos do último e não do primeiro ou terceiro homem que acreditamos ser o grande amor da nossa vida? Para nos mutilar com a verdade de ter sido tudo teatro? 
Cínthia não tinha as respostas e chorava ao lembrar desses momentos. Saudade? Falta de amor-próprio? Não. Apenas a conseqüência de uma tentativa frustrada, de um risco desnecessário, momentos certos com a pessoa errada, mas e quem afinal, tem bola de cristal?
O fim: desastroso. Mas, não forte o suficiente para apagar esses flashes dessas malditas lembranças. E nesse processo, sobreviver é sua meta atual. Até que Cínthia compre no mercado clandestino uma bola de cristal, um manual ou um radar de encantados disfarçados. 
14/01/2011 Sally Barroso

Texto I- Memórias Póstumas de uma Paixão



Remexendo nos meus escritos achei por acaso um esboço de um livro que estava sendo escrito por mim, de várias crônicas sobre o fim de uma paixão. Achei interessante meu ponto de vista na época. O título seria "Memórias Póstumas de uma Paixão". Então, segue o texto I, levando em conta minha péssima coesão textual.


Texto I – O luto da paixão
           
A paixão parece ser uma trajetória bem linear, com começo, meio e fim, pelo simples e único fato de ser uma paixão. Não que ela seja ruim, mas não é sua característica a permanência. Mesmo não tendo regras de quando, como e quem, vários motivos rompem a transição, a metamorfose, a saída do casulo para o vôo de se transformar em amor. 

Os motivos desse rompimento podem ser vários: insegurança, trauma, falta de reciprocidade, traição, ilusão, medo ou falta de interesse e honestidade de uma das partes. Só se percebe a existência desses motivos depois de várias pérolas produzidas pela dor. Por incrível que pareça, essa dor não impede a repetição desse processo linear do luto da paixão, e acabam sendo contínuos e permanentes. Um vício subconsciente. 

Alguns buscam ajuda profissional, uns não conseguem perceber e vão vivendo até que bem, esse processo linear sem maiores problemas. Já outros desistem de tentar e preferem a solidão ou apenas culpam os outros e vai saber. Cada caso é um caso. Mas, é inevitável que aconteça, ela morre ...

Seja como for, no velório dessa paixão, alguém chora o luto sozinho. Alguém se torna o responsável pelo homicídio involuntário de um sentimento que ainda está bem vivo e latente dentro de si. Alguém tem que reagir. Alguém tem que perdoar. Alguém tem que odiar. Ah... Esse alguém... 

E nesse processo, registramos as memórias póstumas do que restou e vai saber o que fazemos com elas. Não sabemos o que vem depois do luto ... Mas para alguns, a paixão chega e o enlutado, com um panteão de pérolas, com o troféu da sobrevivência vai ou não se entregar. Resta saber se dessas memórias póstumas agora anestesiadas e esquecidas, esse ser, vai fazer ou não desse luto um manual de instrução. 

Sally Barroso
Início: 14/01/2011 Brasília/DF