sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

Anarquia e Cristianismo (vale a pena ler de novo!)

 


Conheci esse autor (sociólogo/teólogo/protestante francês) na leitura de "Política de Deus Política do Homem" um estudo sobre o livro bíblico de Reis. O livro "Anarquia e Cristianismo" é uma aula de História! O autor deixa claro que rejeita absolutamente a violência e descreve a anarquia do ponto de vista de um cristão. Também aponta os motivos de desgosto do anarquismo com o cristianismo, fonte de muitas guerras. Dá-lhe História! 


No capítulo sobre "Bíblia, a fonte de anarquia". O autor começa o capítulo afirmando que anarquia (an-arkhé) não é negação de domínio ou desordem. O homem ocidental está tão persuadido de que a ordem na sociedade só pode ser estabelecida por um poder central forte, que questionar esses poderes, para ele, equivale a semear a desordem. Vale lembrar de Lutero e a revolta dos camponeses, só para reflexão.


Entre outros assuntos é abordado para dar base ao título do capítulo: Referência sobre a Bíblia Hebraica, Jesus e a autoridade da época, o Apocalipse e o contexto histórico no qual foi escrito, a Epístola de Pedro (1 Pe 2.13-17)e Paulo em Romanos 13.1-7. No capítulos finais uma aula de História e demonstração de como o Estado absorveu o cristianismo nos primeiros séculos d.C: Sínodo de Elvira (313); conversão de Constantino (312-313); Sínodo de Arles (314)e o concílio de 314.


Finalizando: "os cristãos engajados precisam evitar cair no balaio da ideologia em voga no momento. A Igreja foi monarquista na época dos reis, imperialista com Napoleão, republicana na República e agora socialista (a Igreja Protestante, ao menos era) socialista como todo mundo". Palavras de um sociólogo e teólogo protestante. Indico!

Resenha 2014 

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

O Ensino Religioso na BNCC (33/2020)


 Organizado por Emerson Sena da Silveira e Sérgio Junqueira a obra contribui para o debate continuado sobre o papel e o significado do Ensino Religioso no Ensino Fundamental. O livro norteia a prática de educadores, pesquisadores e cientistas das religiões no caminho de mediar para que os estudantes possam compreender sua identidade religiosa em uma construção em reciprocidade com o outro e na percepção da ideia do Transcendente, expressas de maneira diversa pelos símbolos, ritos e práticas religiosas. 

Esta publicação reúne nove ensaios que discutem, em diferentes perspectivas, o conteúdo orientador do Ensino Religioso estabelecido na Base Nacional Comum Curricular. É papel do Ensino Religioso, amparado pelos estudos das Ciências da Religião, produzir conhecimento e formação para superar a ignorância, o desconhecimento, a violência religiosa e o preconceito. 

A partir da BNCC é norma que se trate academicamente, de forma didático-pedagógica, a compreensão das manifestações religiosas e de suas contribuições para as sociedades humanas. Por essa razão, o Ensino Religioso que se pretende para os sistemas educacionais visa à construção de conhecimento sobre as religiões no Brasil, que as entende como constituintes de nossa identidade, mas também como uma dimensão da experiência humana, a qual pode ser entendida como categoria antropológica. 

domingo, 3 de janeiro de 2021

Ponciá Vicêncio 1/2021



Ponciá Vicêncio foi a primeira publicação solo de Conceição Evaristo financiada integralmente pela própria autora. Passado pouco tempo, a obra pode ser lida em língua inglesa, francesa e em espanhol. Com adendo, foi material solicitado aos vestibulandos da UFMG, CEFET/Minas e da Universidade de Londrina (2009 e 2010).

Conceição Evaristo é Mestre em Literatura Brasileira/PUC-Rio e Doutora em Literatura Comparada/UFF. Ela afirma que a história de Ponciá Vicêncio não é a sua história, mas quando chamada por Ponciá, quando trocam o seu nome pelo dela, orgulhosamente ela responde: presente! 

Ponciá desde a sua infância teve contato com o medo. Ao buscar barro nas margens do rio e ao ver a grande cobra celeste colorida no céu, tem medo de se transformar em homem ao passar por debaixo do arco-íris. Gostava de ser menina! Não sabia ainda que o seu trabalho e o de sua mãe com o barro um dia seria arte exposta pelos brancos. Produziam juntas copos, pratos e utensílios para presentear e vender nos povoados vizinhos. A mãe que determinava destino e preço e o pai quando retornava da colheita dos brancos acabava cedendo às ordens da mulher: "Era tão bom ser mulher!" Ponciá pensava ao ver a mãe tão segura de si, mesmo tendo o homem e o filho ausentes por longos períodos nas colheitas dos brancos. 

Seu sobrenome é a herança do passado dos seus ancestrais ("uma lâmina afiada a torturar-lhe o corpo", pois havia na assinatura dela a marca do poderio do coronel Vicêncio). Aliás, não gostava do nome. Seu avô, teve três ou quatro filhos nascidos do Ventre Livre e ainda assim, foram vendidos. O pai de Ponciá, filho de ex-escravos, foi pajem do sinhôzinho. Tinha a obrigação de brincar e se submeter as tiranias infantis do filho do dono da terra. Se eram livres, por que continuavam ali? Odiava o pai, principalmente depois da doença mental que o acometia após o "Fato". Ria e chorava. Ponciá ainda de colo, de forma inexplicável se lembrava do avô. 

Aprendeu a ler com os missionários do povoado com permissão da mãe. Para sua genitora era importante saber das letras e também saber os aprendizados da roça: fazer garrafadas, fases da lua, tempo de plantio e de colheita e as benzeduras que curavam dos males da carne e da alma. Aos 19 anos, sem conseguir explicar bem para a sua mãe, foi embora. Sua odisseia começa com o descaso do sagrado urbano em relação aos necessitados, diante do luxo do templo que adentra, pensa "Era tudo tão belo. Deus bem que deveria gostar de todo aquele luxo".

Com a missão de buscar a família (mãe e irmão) começa a trabalhar e compra um quarto suburbano. Conhece seu homem, mas percebe que falta ambição e que, para muitos, o pão nosso de cada dia é o suficiente. Retorna para a sua casa, o barro chama, a saudade chama, quer sua família perto. Ambos passaram pelo saída do lar como ela fez anos antes. Ponciá não retorna mais a mesma depois dessa descoberta. Começou a passar todo o tempo com o pensar, com o recordar. Relembrava a vida passada, pensava no presente, mas não sonhava e nem inventava nada para o futuro. Voltou introspectiva e seu homem estranhou a ponto de agredi-la. 

Seu irmão, na cidade, queria ser soldado para ter voz de mando. Também teve a sua odisseia. sua mãe, seguia os conselhos da anciã do povoado e não se submetia a própria vontade de ter com os filhos. Mas, os três, viviam desesperados com o desejo do encontro. Cada personagem que passa pelos Vicêncios são marcados de profundas ausências e vazios, mas como resultados de pobreza, desamparo e sucessivas perdas. O passado e o presente se mesclam e tudo que o urbano ilude é apresentado de forma dolorida: a exploração da zona rural é a mesma na cidade. A herança do avô cobra a sua vez na vida de Ponciá, é preciso trilhar o destino. É preciso que haja o reencontro. Leitura visceral e de uma poética que nos encanta e faz refletir sobre caminhos de busca por identidade num ambiente marcado por desigualdades sociais.