sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Pecar e perdoar Leandro Karnal

Leandro Karnal, historiador e professor da UNICAMP, propõe em seu livro "Percar e perdoar: Deus e o homem na História" analisar as ideias judaicas, cristãs e islâmicas de pecado, afinal elas embasam quase todo comportamento moderno, inclusive dos não religiosos. Junto a ideia de pecado, também analisa o perdão jurídico e outros traços do Ocidente que nasceram e cresceram à sombra de estruturas religiosas. Ainda que ateu, afirma não ser um texto antirreligioso e não propõe atacar e nem defender nenhuma fé. Trata-se da experiência humana no desvio da norma e no restabelecimento da confiança. Vale ressaltar que o livro é um resumo de suas palestras presentes no canal virtual (Youtube) do projeto que ele foi mentor, Café Filosófico. Em todos os capítulos, o autor se utiliza de textos, personagens bíblicos, locais do Inferno de Dante (já que ele trabalha os sete pecados capitais) e do Purgatório. 

Resumo dos capítulos:

Capítulo 1- o prazer de normar e o afã de pecar: narrativa do primeiro pecado, compartilhada pelo cristianismo e judaísmo, apresentando os tributos divinos de misericórdia e justiça. O jogo duplo do pecador e do moralista; a vitória farisaica das instituições religiosas: regras, penitências e aparências; o pecado como escolha e o seu inverso, a obediência imediata (Noé e Abraão); análise de personagens bíblicos: Caim, Noé, Cam e Davi.

Capítulo 2- as formas da infração aos códigos: a religião como uma forma de ordem; regras inseridas em um contexto histórico; o erro do anacronismo ao cobrar que um texto bíblico fale com a nossa voz; a questão da ausência de verdades atemporais, acima de momentos históricos, já muitos dos nossos valores são moldados pela Bíblia; a apropriação da mesma, ainda que endereçada a um tempo e à uma sociedade, por outros homens de outra época; o orgulho e a queda de Lúcifer; Antão e São Francisco de Assis.

Capítulo 03: o pecado envergonhado. Aqui Karnal trata da inveja, o que para ele é ter dor pela felicidade alheia. Para análise do tema, a parábola do filho pródigo (Novo Testamento), onde o irmão mais velho inveja seu irmão mais novo. A lição do texto é sobre perdão e a misericórdia que devem sobrepujar a regra, mas também aponta a inveja por trás da falsa virtude comportamental.  

Capítulo 04 - Sexo, comida e o império do prazer: o controle corporal é de muito modos, o maior esforço da moral e da religião. A luxúria é o pecado da transgressão sexual, ressaltando que religiões morais como Cristianismo, Judaísmo e Islamismo estabeleceram um enorme código sobre o corpo. O autor analisa Paulo de Tarso, por se tratar do autor que mais escreveu sobre o tema. Já a gula, comer em excesso e sem fome, foi condenada por vários religiosos. Vale lembrar que a igreja cristã surgiu em meio onde as refeições tinham um grande significado. O autor descreve os centros culinários religiosos e os comportamentos religiosos de abstenção alimentar. 

Capítulo 05 - O excesso e a falta, irritadiços, avarentos e preguiçosos: o autor confessa ser um irritado, no inferno de Dante, estaria no Quinto círculo, dos iracundos. Analisando o Sermão da Montanha (sobre os pacificadores) e sobre a atitude de Jesus no templo (com os cambistas), o autor de forma religiosa diferencia a ira (eu/ego) da fúria santa. Sobre a avareza, interessante a afirmação em ser ela idolatria. Já para preguiça, seu desenvolvimento de conceito desde acédia até a melancolia contemporânea medicalizada. 

Capítulo 06 - Setenta vezes sete: os pecados são muitos, o perdão um só. Claro que historicamente, religiões criaram indulgências, tribunais, penitências etc. Mas, a consciência do erro é a condição do perdão. Análise do salmo 130, da oração Pai-Nosso e da mulher adúltera.

Capítulo 07 - Perdão grande e perdão pequeno, da Cruz Às cruzes: nesse capítulo o autor aborda os perdões do cotidiano, àqueles atos que nos irritam, mas por suas persistências se tornam no futuro causador da necessidade de um perdão maior. Citando sobre os chatos, o capítulo ficou muito chato. 

Capítulo 08 - Novo pecados e novos perdões: hoje a preguiça virou procrastinação, a gula é enaltecida, aliás o cuidado exagerado com o corpo virou idolatria e assim por diante. De santos medievais a empreendedores, do paraíso divino ao sucesso financeiro e pessoal. 

Capítulo 09 - Oremos: seria Karnal ateu? Fiquei em dúvida. Capítulo poético. Acredito que ele faz a oração contemplativa, desconfio. (risos)

Conclusão - Teria Leandro perdoado sua amiga citada no início do livro? Ótimas reflexões sobre o perdão. Não no viés religioso, mas humano. 

Indico. As palestras no Youtube (que tem mais conteúdo que o livro) e o livro. Ambos contam com o sarcasmo do autor e inteligência.



É isto um homem? Primo Levi


Primo Levi (1919-1987), italiano, químico e escritor narrou na obra "É isto um Homem?" suas experiências no campo de concentração nazista de Auschwitz, durante a Segunda Guerra Mundial. Ao meu ver, é o tipo de literatura necessária para todos os alunos e interessados em aprender mais sobre o tema "Holocausto". 
Trata-se de uma narrativa repugnante, que até mesmo o leitor pergunta "se seria aqueles, homens" (carrascos e prisioneiros). Sem nenhum traço de humanidade, "kapos" impuseram as maiores atrocidades aos prisioneiros judeus (e outros). Levi descreve desde a sua captura até o resgate dele e de um pequeno grupo de sobreviventes. Se durante a prisão, Levi e os demais perderam suas identidades, conseguiram resgatar quando da fuga dos alemães, que os deixaram à própria sorte. Percebemos o retorno da humanidade, mas nisso já cito praticamente o desfecho, que é emocionante. 
Ler "É isto um homem?" é conhecer como foi a rotina degradante de trabalho sob violência contínua. Levi descreve detalhes, desde os uniformes, regras, forma de dormir, tratamento dado aos doentes, as formas de contrabando interno e externo e suas punições, a divisão do trabalho, o frio, a fome, a sopa, a perca da identidade e da esperança. 
Algumas pessoas acreditam que sua morte tenha sido suicídio. Não sei, o que acredito é que conviver com tais lembranças não deve ter sido fácil, o que o tornou sobrevivente duas vezes. Indico.