terça-feira, 24 de novembro de 2020

Notas do Subsolo


 

Tive o privilégio de ler Fiòdor Dostoiévski (1821-1881) em 2020. Primeiro, li O Duplo e agora Notas do Subsolo, publicado em 1864. Bom, de forma resumida, o escritor russo teve em sua vida uns altos e baixos. Prisão na Sibéria (acusado de conspirações contra o czar), viuvez da primeira esposa, perda do seu irmão (no mesmo ano da publicação do livro). Muitos escritores se inspiraram nele. 

O autor começou bem sua carreira após a publicação do seu livro Gente Pobre, mas levou um tempo para voltar aos louros literários da crítica russa. Notas do Subsolo faz parte desse período. Um ex-funcionário civil, 40 anos, em forma de monólogo, demonstra o anti-herói. O livro é dividido em duas partes "O subterrâneo" e "A propósito da neve derretida". 

Precursor do existencialismo, o homem do subsolo é um sofredor em busca de ser amado, e essa busca, o torna mau. Aqui seria o resumo do livro. Mas, por se tratar de Dostoiévski, não é o suficiente, pois sua escrita descreve a desorientação do homem diante de um mundo sem sentido e absurdo. 

"Sou um homem doente... um homem mau. Um homem desagradável. Creio que sofro do fígado".

Essa ambivalência envolve o leitor entre redenção e condenação do homem do subterrâneo. Ele não tem nada contra a medicina, mas não quer se tratar, é apenas raiva. Com muita lucidez, ele sabe que a única vítima do seu comportamento será ele mesmo. 

"Fui um funcionário maldoso, com prazer na maldade, em magoar"

"Nunca pude tornar-me mau"

A sociedade por ele descrita, é aquela que homens imbecis conseguem se tornar algo, enquanto os inteligentes, vivem à sombra dessa causa "natural" do funcionamento da sociedade. 

Contradição, autojustificativa e definições na primeira parte nos envolvem sem saber se há em nós amor ou ódio (quem sabe até semelhança). 

"O homem se vinga por que acredita que é justo"

"Penso que a melhor definição do homem seja: um bípedes ingrato"

O homem subterrâneo se sente escravo e covarde, é a sua condição "normal". Sente arrependimento, repulsa, acostuma-se a suportar tudo e refugia-se então no que fosse "belo e sublime". Vive de devaneios para suportar o subterrâneo. "Deixa-nos sozinhos, sem um livro, e imediatamente ficaremos confusos, vamos perder-nos"

"Eu sou sozinho, e eles são todos" Seria então a melhor definição da segunda parte do livro. 

Ficamos nos indagando qual o motivo dele precisar tomar certas atitudes e persegui-las a ponto de se mostrar imbecil para os demais. 

Confesso que, o momento de maior lucidez, foi o seu momento de embriaguez e quase, por um momento, acreditei em tudo que ele disse a Liz. (sem spoiler)

"Pois para a mulher é no amor que consiste toda a ressurreição; toda a salvação de qualquer desgraça e toda regeneração não podem ser reveladas de outro modo"

"Em primeiro lugar, eu não podia mais apaixonar-me, porque, repito, amar significava para mim tiranizar e dominar moralmente. Chego a pensar por vezes que o amor consiste justamente no direito que o objeto amado voluntariamente nos concede de exercer tirania sobre ele"

Sua consciência de subterrâneo também faz ele confessar que por falta de hábito não praticava a "viva a vida". Pessoas que "viva a vida" chegam a irritar e incomodar, e que, muitos subterrâneos, acostumados a entender a "viva vida" como um emprego, trabalho, rotina, estão entregues e distantes do "belo e sublime".

Sobre esse homem de práticas ruins e não compreendido:

"Cometi essa crueldade, ainda que intencionalmente, mas não com o coração, e sim com a minha cabeça má"

Sobre sofrer:

"O que é melhor, uma felicidade barata ou um sofrimento elevado?"

Sim, saímos da leitura sem julgamento. É um grande começo.