quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Hibisco Roxo


 Último livro de 2020 do grupo virtual da Biblioteca Nacional de Brasília, Hibisco Roxo - Chimamanda Ngozi Adichie. 

Eu gostaria muito de afirmar que é apenas um enredo triste, que é algo que acontece apenas na Nigéria, mas infelizmente eu consigo refazer passos dentro do meu país, do microcosmo da minha vizinhança, do meu passado, de tudo que podemos chamar de raízes colonizadoras cristãs. Calma, não é um ataque ao Cristianismo, é, como disse a autora em outro momento, o perigo da história única. Da pregação do medo, do ódio, do julgamento divino, da regra, da doutrina em nome da religião. Isso explica tanta intolerância religiosa no nosso país. Estamos colonizados pelo fundamentalismo. 

A protagonista é Kambili, uma adolescente de classe média alta. Talvez esse seja o primeiro aspecto "diferente" para todos nós que temos a história única em relação a África. A personagem estuda em boa escola, é rica, e nada lhe falta. Em uma TED talk, a autora citou um relato sobre a autenticidade das suas personagens:

"O professor me disse que minhas personagens pareciam-se muito com ele, um homem educado de classe média. Minhas personagens dirigiam carros, elas não estavam famintas. Por isso, elas não eram autenticamente africanas."

Seu pai, Eugene, é um homem que possui certo poder local pelo seu capital, caridade e rigidez religiosa. Entremos então no contexto sem dar spoiler. O amor que os beneficiados sentem por Eugene, é diferente do amor que os filhos e esposa sentem por ele. Eles conhecem um outro lado violento, seja físico ou psicológico. Tudo em nome da religião. Religião essa que Kambili muitas vezes não se identifica, um Jesus loiro e se tratando da Nigéria, costumes que não aceitam as tradições dos seus ancestrais. Eugene não fala com seu próprio pai (que não é católico). 

Beatrice, esposa, submissa no limite do medo e aceitação, vê, assim como os filhos, que todo mal que Eugene faz, no fundo, é necessário. O perigo da história única. Eugene tem o poder financeiro e psicológico sobre a família. 

"É impossível falar sobre única história sem falar sobre poder. Há uma palavra, uma palavra da tribo Igbo, que eu lembro sempre que penso sobre as estruturas de poder do mundo, e a palavra é nkali. É um substantivo, que livremente se traduz: "ser maior do que o outro." (TED talk)

Mas esse poder não submete a sua irmã, Ifeoma. Professora universitária, viúva, mãe de três filhos, consegue conciliar a ancestralidade dos ritos nigerianos com as doutrinas católica e criar os seus filhos com a liberdade crítica de expressão, mesmo que passem necessidade financeira. Pois Eugene sempre tem propostas, desde que a conversão seja completa e submissa. 

Será nesse contato entre Kambili e seu irmão Jaja com a família de Ifeoma que a história única será descontruída. Além do florescer da adolescente do seu interno para o externo, do seu conflito emocional em relação ao padre Amadi e a sua prima Amaka, vemos o susto diante da liberdade, do conhecer a religião do outro e não ver nela nenhum pecado, em reconhecer seu potencial nessa cisão do ser. 

Bom, o que eu posso relatar é que não tem como passar despercebido nas entrelinhas o peso da herança colonizadora com a imposição da cultura europeia que nunca respeitou e nem respeita a tradição africana que até hoje luta por permanência. As sequelas que essa violência deixa nas personagens é a mesma que vemos quando o fanatismo, repressão, intolerância protagonizam pelo viés do poder. Que os dias ganhem cores de hibiscos. 



Chimamanda Ngozi Adichie (Enugu15 de setembro de 1977) é uma feminista e escritora nigeriana. Ela é reconhecida como uma das mais importantes jovens autoras anglófonas de sucesso, atraindo uma nova geração de leitores de literatura africana.