sábado, 6 de dezembro de 2025

Frankenstein de Guilherme Del Toro (Netflix/2025)

 A versão do diretor mexicano, Guilherme del Toro da obra Frankenstein (Netflix/2025) viralizou e aparentemente foi bem recebida pela maioria. Mas... como sei que, infelizmente, o Brasil não é composto por uma maioria de leitores, me sinto na obrigação de começar a postagem citando a autora da obra de 1818, Mary Shelley (1797-1851). Há afastamentos da obra literária e da obra cinematográfica. Não é a intenção aqui pontuar uma por uma. 


O livro foi escrito durante uma competição de Shelley com seu amante e futuro marido (Percy Bysshe Shelley) na casa de um amigo (Lord Byron) em um verão chuvoso. Interessante saber que Shelley participava de conversas com teor científico. O galvanismo era um assunto em alta na época. Os experimentos com eletricidade em cadáveres entre os séculos XVIII e XIX para a reanimação de mortos prendeu a atenção da escritora. O debate moral sobre a responsabilidade científica também estava presente. Alquimia, galvinismo e ideias ocultistas povoavam o imaginário da época e não passaram despercebidos por Shelley. 

Seu livro foi publicado inicialmente sem os devidos créditos autorais. Ela, com 19 anos, havia criado uma criatura que transitava entre os debates científicos, a moral cristã e a mitologia grega. Frankenstein, sobrenome de uma família que tivera contato, e Prometeu, o titã que apresentou o fogo roubado para a humanidade fazem parte de uma obra de terror gótico que influencia produções artísticas até os dias atuais. 

A criatura de Shelley é perversa e quase não digna de compaixão. Claro que não podemos ser anacrônicos. A época pedia esse resultado desastroso da ação humana em desejar criar com a capacidade divina. O sopro da vida era dado por Deus e o homem não poderia ultrapassar o seu papel de criatura sem sofrer as terríveis consequências. Mas, quando o assunto é o monstro de Del Toro, já sabemos que não será bem assim. Meu segundo contato com o diretor foi em A Forma da Água (2017). Já havia assistido O Labirinto do Fauno (2006), mas levei mais em conta o contexto do conflito da Guerra Civil Espanhola por estar   História na época. Sou apaixonada pelos monstros de Del Toro. 


Seus monstros são inocentados em suas obras e o diretor consegue demonstrar beleza no caos e na monstruosidade. Seus temas rebatem o autoritarismo e a perversidade humana, apontando que a maldade está em nós. Sempre! Conhecemos Frankestein em diversas versões. Até Maurício de Sousa apresentou a criatura na Turma do Penadinho. Mesmo seguindo características não apresentadas por Shelley, temos no nosso imaginário esse ser alto, verde e de ausência de maldade. Podemos citar o mordomo Tropeço da Família Adams (o tempo vai suavizando a maldade da criatura original. Logo não temos que julgar Del Toro pelo monstro que nos apresentou). 


Victor Frankestein na obra de Del Toro tem uma obsessão em criar um ser a partir do galvinismo. Conflitos familiares o empurram para o espaço acadêmico e sua fixação resulta na criatura gerada a partir de cadáveres da Guerra da Crimeia (1853-1856). A obra de Shelley é de 1818, então já é manifesto o distanciamento das versões da criatura e criador. Del Toro desde criança quis produzir algo sobre Pinóquio e Frankenstein. Cumpriu! Se você pesquisar o processo de pesquisa até a produção, verá o resultado de várias obras que ele cita em entrevistas. Uma criatura a partir dele. Será que Victor é um tipo de alter ego de Guilherme Del Toro? Devaneios meu. 


A criatura é vítima do criador e escravo de uma eternidade envolta de solidão e maldade humana. Os únicos que oferecem afeto é Elizabeth e um ancião cego. Ele deseja uma companheira. Seus atos de maldade são reações e jamais iniciadas por uma maldade que tem gênesis em si mesmo. Ele deseja vingança, já que seu criador não vai anestesiar a dor da sua existência. Ele perdoa, mas primeiramente, conta a sua versão. Nessa apresentação da criatura, como sempre, nas obras de Del Toro, tomamos partido. O monstro é o ser mais benevolente do rolê todo. 

Os figurinos, os atores, a fotografia, ... tudo cooperou para a aceitação da obra de Del Toro. Se a autora aprovaria? Acredito que sim. Fruto da nossa época, lembro da autora Chimamanda N. Adichie em O perigo de uma história única. Precisamos conhecer ambas as versões. A obra original não nos convence da legitimidade da criatura em ser mal. Del Toro com sua poética faz isso sem muito esforço. Indico!