domingo, 26 de abril de 2020

Milagre da Cela 7 (Netflix)


Milagre da cela 7 – a inocência transcende a violência
No filme turco “Milagre da cela 7”, Memo é injustamente acusado de um crime grave, preso e condenado à morte. Por sua grande deficiência intelectual não tem condições de se defender e de sequer ter clareza do que estava acontecendo. Toda a sua defesa fica por conta da luta de sua filha, Ova, que fica tentando, impotente, sensibilizar as autoridades. Ambos eram cuidados pela avó de Memo, que, quando Ova pergunta se o pai é maluco, responde que ele apenas tem a mesma idade mental dela. Ova fica feliz com a resposta, pois encontra no pai um companheiro para brincadeiras. 

Memo é duramente espancado na cela pelos outros presos revoltados com seu suposto crime. O milagre a que o titulo do filme alude me parece ser toda a transformação sofrida pelos presos da cela 7 quando começam a perceber a idade mental de Memo e a sua óbvia inocência. A inocência diante da violência sofrida, a falta de revide, a atitude amistosa para com os agressores são próprias do olhar simples e ingênuo diante da vida. Porque só os inocentes podem não perceber a agressividade dirigida contra si, podem não ser capturados pelas armadilhas de um ego ferido. Só os inocentes têm a leveza suficiente para andar sobre as águas sem perceber. 

Memo não percebe a hostilidade contra ele e trata a todos como amigos. Talvez seja o primeiro sinal para eles de sua “ausência de cérebro”. Não tinha ele todos os estragos sofridos pela idade adulta. Sua mente procurava pelos passarinhos no pátio e voava com eles, era incontidamente afetuoso, pois não tinha aprendido a conter-se até a anorexia afetiva que caracteriza o individuo normal. Os outros presos não puderam se defender da ingenuidade autentica que favorecia o natural florescimento da bondade. 

Sensibilizados, foram se apercebendo mais de si próprios, como quando acontece quando um centro de inocência da psique atinge a consciência. Um centro que funciona como um chamado às origens da própria humanidade, da condição de fazer parte, da base primal de ser uma pessoa. A condição ingênua, despretensiosa, desinteressada é o que permite o florescimento da bondade autêntica, bem como a restauração da integridade psíquica. 

Memo no centro da cela lembra aquele ponto virtualmente central da psique, violentado pela sua fragmentação, mas capaz de produzir a sua reintegração quando deixado livre, o que pode ser vivido como uma espécie de luz vinda de não sei onde.
Alexandre Xavier